sexta-feira, 4 de abril de 2014

RETORNO DAS VELHAS SENHORAS





Quando as redes de TV, os jornais, as emissoras de rádio pedem carinhosamente que você ou seus filhos procurem o Posto de Saúde mais próximo da sua casa, simplesmente obedeça. Contrariar os programas oficiais de Saúde, significa dar um tiro no próprio pé. Desde que o bebê nasce, ele é submetido a vários testes importantes para se obter seu perfil inicial. Depois, vem as vacinas, e que ninguém se furte a essa obrigação para com seu filho, pois senão haverá uma força coercitiva por parte do Estado, no momento em que esta criança começar o processo de escolarização.  Mesmo assim, há doenças que já se haviam por desaparecidas, que ousam botar as caras de fora novamente. E isso ocorre tanto entre humanos quanto em animais, com os quais, queira ou não, o ser humano vai interagir pelo resto da vida.
Nesta semana, ouvi falar que uma senhora amiga adoeceu gravemente. Teve tuberculose. Essa doença que parece ter ficado no passado, e que vitimava os boêmios e desnutridos, tinha um tratamento de isolamento do paciente até que chegaram os antibióticos com espectros eficientes para curar. Assim, pouco a pouco, antigos parques hospitalares foram sendo desativados para dar lugar a imensos hospitais gerais, como é o caso do Hospital do Mandaqui. Também, uma doença discricionária que tirava os cidadãos do "mundo dos vivos" e os transportava para o mundo dos "esquecidos", teve a sua oportunidade de tratamento e cura: a hanseníase ou lepra. Os grandes sanatórios da era Getulina para onde eram encaminhados esses pacientes de maneira compulsória, isolaram comunidades inteiras a ponto de tornar os estigmatizados uma sociedade à parte, com mecanismos próprios de interação. Com o tempo, esse fantasma diluiu-se. Os antibióticos deram conta do mal e os leprosários foram se tornando hospitais gerais, ainda que ninguém goste de ser internado lá. Hoje, tanto a Tuberculose como a Hanseníase são tratadas ambulatorialmente, mas, contradizendo a batalha contra ambas que parecia vencida, assistimos aos avanços destas doenças com quadros diferenciados. E as cepas dos novos atacantes nem sempre respondem bem aos antibióticos tradicionais. Trágico, não?
Pior, outras doenças das quais não mais se falava, retornam entre humanos e animais, muitas delas como zoonoses. Viram esta semana o retorno do "Mormo", mal contagioso entre eqüídeos e também transmissível ao ser humano? E o que vamos fazer quando retornar a "Raiva" que se encontra escondida a esperar seu momento uma vez que os cães de rua vagam docemente como "comunitários" por aí? Você já viu um ser humano acometido de raiva? De hidrofobia? Ainda não, mas tenho medo que logo isso acontecerá. Sem remédio.






Em meados de 1980 eu me vestia para ir à USP fazer meu exame de qualificação para doutorado, quando um vizinho chamou contando que um cão estranho havia mordido meu gato no jardim. Pressentindo o pior, peguei uma arma e saí de carro com o vizinho acompanhando o trajeto do animal.
 O pobre cão parava nas poças d'água mas não conseguia deglutir. Andou bastante pelo bairro, circundou as duas grandes escolas de lá e, por fim entrou num quintal que parecia conhecer. Pulei rápido do carro e fechei o portão de grades para que ele não fugisse. Depois apertei muito a campainha para chamar os donos da casa, pois, ao estímulo da ponta da minha arma, o cão apresentava anisocoria que é um nítido sintoma dos muitos que a raiva apresenta. Começou a juntar gente, inclusive um delegado que morava em casa vizinha, e então, apontei meu revolver e atirei bem no coração do bicho. Entendendo a gravidade do caso, vieram uns pedreiros que trabalhavam em obra próxima e, com uma pá, ajudaram a colocar o cadáver  canino no meu porta malas.
 Voltei em casa, guardei o revolver, peguei meu material de pesquisa e me coloquei na estrada para São Paulo. Meu objetivo era, antes de chegar à USP, passar no Instituto Pasteur e deixar o cão para análise. Ele então foi recolhido pelas doutoras Ester Bocatto e Luiza Morita. Quando cheguei ao departamento da USP onde seria meu exame, já havia um telefonema aflito do Pasteur confirmando por exames laboratoriais a Raiva, já em estado avançado no animal. Assim, retornei a Mogi, com a enorme tarefa de iniciar uma prospecção a fim de saber em quais pessoas o cachorro havia tocado, pois precisavam ser notificados da carência de vacinação. Com o apoio das diretoras de escola, chegamos a quase 30 prováveis infectados, uma soma tão estarrecedora que o diretor do Instituto Pasteur veio a Mogi para implantar aqui um posto avançado de vacinação humana (o SUS não existia ainda). Como os Postos de Saúde não funcionavam nos fins de semana, o Dr Melquíades ficou encarregado pela Prefeitura, de montar uma sala dentro da Santa Casa para atender as vítimas do tal cachorro.
 Foi assim que, pela primeira vez tivemos vacinação humana aqui. Também a Prefeitura intensificou a coleta de cães de rua e a campanha de vacinação anti-rábica, de modo que ainda houve casos de animais doentes por quase dois anos, mas o alerta estava dado, e as crianças salvas.
Hoje, entreguei meu revolver à Polícia Federal. Mas a política eleitoeira de proteger os cães de rua, volta a nos ameaçar, pois as cavernas e grutas de Luis Carlos e Salesópolis continuam a abrigar morcegos hematófagos e, em breve, a Raiva voltará vitoriosa. (Em Memoria do Dr Moacir R. Nilssen que morreu vítima de combate aos hematófagos)


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