sexta-feira, 4 de abril de 2014

HERANÇA MALDITA



Me causa espanto ver saudosistas apelarem pela volta da ditadura militar. O que pode ela corrigir se ainda não nos recuperamos da maldita de 1964? Só quem não viveu ou não leu nada sobre os 20 anos da dita cuja, pode sair marchando por aí pedindo a volta do regime de exceção, quando se torturava e matava por razões políticas e os direitos individuais estavam completamente suspensos.
 Foram 20 anos em que as escolas fizeram lavagem cerebral nos alunos. E hoje, que jovem sabe onde fica a Ucrânia? Para onde migraram a criatividade e a cultura que não tem mais espaço e dão lugar a idiomas e ritmos de guetos?E você, ama o Pancadão?Acha um barato que os professores não consigam dar aulas?
 Este cinqüentenário devia ser de luto, pois inaugurou a fase mais perversa da História do Brasil. Para mim, a lembrança daqueles 20 anos é a mais indigesta possível. Dolorosa. Fiz o curso de História na USP e formei em 1968. Em 1969 fui presa pela primeira vez. Meu pai, meu ex-sogro e um general da reserva foram atrás de mim no DOI CODI e as bestas feras de lá pouca atenção deram a eles, pois estavam comprazendo-se em torturar os presos. Eles sentaram e aguardaram. Lá dentro, depois de muitas horas fizeram minha acareação com meu ex-companheiro, o qual estava todo sangrado, mal andava, tinha os tímpanos lesados e muito mais.
 Nesta hora, no auge da tortura, mataram o operário Virgílio Gomes da Silva, que mesmo sob elevado grau de tortura não respondia nada. Então acabaram com ele. E de repente viram que haviam matado o homem mais importante da luta contra a ditadura depois de Carlos Mariguella. Aí, deram uma trégua, e até lembraram de me devolver a meu pai e ao General Lane.
Em 1972 casei-me com outro rapaz. Logo depois fiquei grávida do meu primeiro filho. Mas os malditos sabiam que eu continuava amiga da irmã do meu ex-companheiro e estavam a procurá-la. Então, caíram feito abutres sobre mim e, mesmo grávida, não fui poupada da tortura. Um capitão do exército, já embriagado, uma noite tentou me estuprar na sala de interrogatório. Foi nojento. Ele não chegou ao fim do seu intento, pois tinha outro casal para torturar.
 Então minha Odisséia acabou com o interrogatório de um certo capitão Bismarck. De lá fui para o hospital, onde quase morri, e meu filho, lindo, de 8 meses de gestação, faleceu com membrana hialina impedindo seus pulmões de respirar.
 Até hoje o governo brasileiro me deve este acerto de contas na Justiça. Mas, onde anda ele, tão estupradinho que está também pela corrupção? Então lembremos deste hino: "...eia pois brasileiros avante, verdes louros colhamos louçãos;seja o nosso país triunfante, livre terra de livres irmãos. Liberdade,liberdade"... É ainda melhor que qualquer ditadura. 


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