Me causa espanto ver saudosistas apelarem pela volta
da ditadura militar. O que pode ela corrigir se ainda não nos recuperamos da
maldita de 1964? Só quem não viveu ou não leu nada sobre os 20 anos da dita
cuja, pode sair marchando por aí pedindo a volta do regime de exceção, quando
se torturava e matava por razões políticas e os direitos individuais estavam
completamente suspensos.
Foram 20 anos em que as escolas fizeram lavagem
cerebral nos alunos. E hoje, que jovem sabe onde fica a Ucrânia? Para onde
migraram a criatividade e a cultura que não tem mais espaço e dão lugar a
idiomas e ritmos de guetos?E você, ama o Pancadão?Acha um barato que os
professores não consigam dar aulas?
Este cinqüentenário devia ser de luto, pois
inaugurou a fase mais perversa da História do Brasil. Para mim, a lembrança
daqueles 20 anos é a mais indigesta possível. Dolorosa. Fiz o curso de História
na USP e formei em 1968. Em 1969 fui presa pela primeira vez. Meu pai, meu
ex-sogro e um general da reserva foram atrás de mim no DOI CODI e as bestas
feras de lá pouca atenção deram a eles, pois estavam comprazendo-se em torturar
os presos. Eles sentaram e aguardaram. Lá dentro, depois de muitas horas
fizeram minha acareação com meu ex-companheiro, o qual estava todo sangrado,
mal andava, tinha os tímpanos lesados e muito mais.
Nesta hora, no auge da
tortura, mataram o operário Virgílio Gomes da Silva, que mesmo sob elevado grau
de tortura não respondia nada. Então acabaram com ele. E de repente viram que
haviam matado o homem mais importante da luta contra a ditadura depois de
Carlos Mariguella. Aí, deram uma trégua, e até lembraram de me devolver a meu
pai e ao General Lane.
Em 1972 casei-me com outro rapaz. Logo depois fiquei
grávida do meu primeiro filho. Mas os malditos sabiam que eu continuava amiga
da irmã do meu ex-companheiro e estavam a procurá-la. Então, caíram feito
abutres sobre mim e, mesmo grávida, não fui poupada da tortura. Um capitão do
exército, já embriagado, uma noite tentou me estuprar na sala de
interrogatório. Foi nojento. Ele não chegou ao fim do seu intento, pois tinha
outro casal para torturar.
Então minha Odisséia acabou com o interrogatório de
um certo capitão Bismarck. De lá fui para o hospital, onde quase morri, e meu
filho, lindo, de 8 meses de gestação, faleceu com membrana hialina impedindo
seus pulmões de respirar.
Até hoje o governo brasileiro me deve este acerto de
contas na Justiça. Mas, onde anda ele, tão estupradinho que está também pela
corrupção? Então lembremos deste hino: "...eia pois brasileiros avante,
verdes louros colhamos louçãos;seja o nosso país triunfante, livre terra de
livres irmãos. Liberdade,liberdade"... É ainda melhor que qualquer
ditadura.
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