sexta-feira, 22 de novembro de 2013

COMO SE FORMA UM HISTORIADOR



Semana passada dei uma palestra no Rotary e tive o prazer de lá comparecer na qualidade de Historiadora. Formar um historiador é uma tarefa difícil, pois ao longo dos tempos, mais profunda se torna a formação, mais os campos vão se abrindo, o que requer um jogo de multidisciplinaridade fantástico. Quando me doutorei, era "conditio sine qua non" que a minha pesquisa estivesse suportada no conhecimento de várias línguas estrangeiras, além do latim e das versões antigas das referidas línguas. Realmente, não é tarefa simples dominar o "Ancient Français" nem tampouco o latim medieval.

 Mas,  ao desenvolver um tema medieval, nas entrelinhas dos documentos consultados arduamente em arquivos, vão aparecendo novas inquietações, e foi assim que, já em 1980, com minha tese ao meio do caminho apareceu a AIDS, vinda de uma mutação genética de um vírus que atacava espécies simiescas na África. Então, logo que defendi o doutorado, iniciei uma nova pesquisa que levava em conta os processos nosológicos da Idade Média, particularmente considerando que fomos colonizados por portugueses oriundos desta Medievalidade. 

 Sim, eles trouxeram com a colonização, doenças que não havia aqui, mas, para compreender melhor toda esta questão dos itinerários da economia e da doença, precisei mergulhar fundo em infectologia e epidemiologia. Valeram-me muito pessoas como o Dr. Veronesi e o Dr. Heitor Medina, pois ambos me orientaram as leituras e a base de que eu necessitava.

 Assim foram produzidos meus trabalhos sobre a lepra, sua chegada ao Brasil e sua distribuição diferenciada por este país de dimensões continentais. Esta árdua tarefa conduziu meus passos pelo continente europeu entre 1990 e 1991, pois os arquivos que dizem respeito estão lá, e em nosso país não temos ainda hoje a tecnologia fina para fazer diagnósticos retrospectivos em achados cranianos de mais de um ou dois milênios. Arqueologia sofisticada, não é?

Depois que me aposentei em 2006, resolvi caminhar por fontes literárias para compreender outro segmento da nossa colonização. Então, mergulhei de ponta-cabeça na literatura Africana, pois a África foi uma das fontes da estrutura populacional do Brasil, em virtude da escravidão.
Muitos foram os autores de África que consultei. Falarei deles em outras colunas, mas hoje, estou de luto. Domingo, 17, faleceu em Londres uma ativista da Rodésia do Sul, hoje Zimbábue, que lutou contra o apartheid e escreveu dezenas de livros autobiográficos comprovando que os caminhos da violência, das doenças, das ideologias e do comércio, coincidem brutalmente. Doris Lessing, paro por aqui, em sua longa vida de escritora que jamais perdeu de vista as tragédias encomendadas pela cobiça humana. Aos 94 anos, ela partiu tendo a honra de recusar o título de "Dama do Império Ingles" das mãos de Elisabeth II. Sabia das desgraças que qualquer imperialismo impõe aos povos.




Doris recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 2007.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

OUVIR ESTRELAS



Lembro do soneto de Olavo Bilac e fico pensando que na sua época era realmente possível ouvir estrelas, mas hoje, decididamente não. Começa que nos dias atuais a poluição das cidades grandes nega ao cidadão ver a cor do céu. Depois, estrela é o nome que se oferta a pessoas que trabalham nos palcos da vida ou visam exclusivamente "aparecer" para, no devido tempo auferir os rendimentos desse estrelato, seja do tipo "voto", seja do tipo notoriedade mesmo.

 " Estrelas" muitas vezes se envolvem em ambientes sórdidos ou viciosos. Há algumas que, às custas disso fazem mal apenas a si mesmas, veja-se o número de astros que morrem de overdose, assim como Michael Jackson ou Elis Regina, ambos muito bons na arte, porém fracos para agüentar o peso da fama. Outras, conseguem apenas ser ridículas, como nos tem mostrado  Luiza Mel, uma das promotoras do incidente dos ativistas da causa animal, que acabo de ver num debate contra a diretora do Instituto Royal. Bilac, tinha dotes de sensibilidade para invocar o som das estrelas verdadeiras. Entre os ativistas da causa animal, o que falta mesmo é cultura, cidadania, valores democráticos.

Acontece, que pertenço à espécie humana, desde sempre uma espécie onívora, cujo organismo requer alimentos com proteínas de alto valor nutricional (por conter aminoácidos que faltam aos vegetais), carboidratos, gordura, vitaminas, fibras, micro e macro elementos; tudo isso se resume a uma dieta com carnes (vermelhas, brancas), leite, ovos, verduras, legumes frutas e cereais. E,  para seguir uma ativista como a Luiza Mel, também não posso me medicar com nada que tenha sido experimentado em animais, ou seja, tanto minha circulação como os valores de açúcar no meu sangue, vão fatalmente me levar à morte, para alegria de uns e profunda tristeza de outros.

Ouvir estrelas, nos dias de hoje, é tirar passaporte para o mundo da idiotice. Esses astros seguramente não sabem sequer a diferença entre anatomia e fisiologia. Nas faculdades de medicina e análogas, anatomia é estudada em cadáveres de indigentes. Fisiologia depende de organismos em funcionamento, e para isso não podemos imaginar que um médico recém-formado vá fazer uma entubação traquial ou uma anastomose intestinal, direto no paciente humano. Todos os médicos que operam, treinam muito em animais quando estudantes. Entre os animais, estão os cães, suinos e ratos. É um preço alto; infelizmente a vida humana depende disso. Aceitar o experimentalismo e o treino faz parte da ciência em todo o mundo.

Então proponho, por que não lutar pela liberdade da Brasileira do Greenpeace que está detida na Rússia? Já sei, vocês não sabem lidar com a democracia pela qual lutei tanto em minha vida...


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Suite dos pescadores - Tom Jobim e Dorival Caymmi

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O SANTO CACHORRO


 
Durante o século XIII, em plena Baixa Idade Média, o inquisidor Estevam de Bourbon, autor de uma obra incompleta sobre os sete dons do Espírito Santo, oriundo da Universidade de Paris e pregador dominicano, descobriu que na região de Lyon, na França, havia um culto a um certo São Guinefort, a quem se atribuia a graça de curar as crianças doentes. Em sua função inquisitorial foi então ao lugar para constatar quem era esse São Guinefort. Sua descoberta foi surprendente, e mesmo todo o seu empenho não conseguiu dar conta da crença popular.

Os fatos tem origem na vida de um pequeno proprietário de terras que certo dia saiu de casa com a esposa, deixando no berço seu pequeno filho e uma garota para tomar conta da criança. A garota, porém, tão logo o casal se distanciou, foi passear pelas cercanias. Assim, a criança ficou apenas com a companhia de um cachorro lebréu, e tudo parecia em paz quando entrou na casa uma enorme serpente, asquerosa, rastejante, em direção ao berço onde dormia o bebê. O cão, extremamente alerta percebeu o perigo e pulou sobre a serpente. Os dois animais lutaram muito até que o cão matou a cobra e, todo sujo de sangue, viu apenas que o bercinho caíra mas a criança continuava a dormir; então, deitou-se cansado na soleira da porta para descansar.


Quando os pais da criança retornaram, viram o cão ensanguentado e o berço virado. O pai, pensando que o cachorro matara seu filho, deu nele golpes de facão até que o animal morresse, mas a mãe, entrando desesperada na casa encontrou seu pimpolho ainda dormindo tranquilo, tendo perto de si um enorme cadáver de cobra. Então, o pai percebeu que o cão havia sido o salvador do seu filho, e arrependeu-se muito por tê-lo matado. Perto da casa havia um poço seco, e o pobre lavrador fez um enterro digno para o bicho injustamente morto, jogando-o no buraco e cobrindo-o com terra e pedras.


A história correu. Logo, começaram a vir mães aflitas com seus filhos doentes para pedir a cura ao cão, que recebeu o nome de São Guinefort. O inquisidor não gostou da história. Achou que se tratava de idolatria e superstição. Mandou exumar o cachorro, queimar seus restos e destruir a sepultura improvisada. Mas a crença do povo era mais forte que Estevam de Bourbon, e, mesmo depois da pregação do inquisidor, a região continuou sendo alvo de visitas que pediam ajuda ao santo cachorro. Este culto, segundo o pesquisador Jean-Claude Schmitt, ainda existia na aurora do século XX.


Schmitt, professor da Sorbonne de quem recebi de presente vários livros, coloca na ordem do dia uma reflexão sobre os caminhos que pode percorrer a humanidade de hoje. E percebe-se que bom-senso é um saber adquirido e não intuído ao bel prazer das pessoas.




Eis aí o protótipo dos que pensam que animais valem mais do que gente. Em todo caso, em certas situações isso pode até ser verdade.