quinta-feira, 4 de julho de 2013

NOVE DE JULHO



Meu pai lutou na Revolução Constitucionalista de 1932. Por razões de ordem pessoal detestava falar no assunto. Na ocasião ele estava com 21 anos de idade e não havia possibilidade de se empregar em São Paulo. Por outro lado ele se nutria do ódio dos paulistanos contra a ditadura de Getúlio, muito parecida, aliás, com as que se desenvolveram na Europa, o Salazarismo, o Franquismo, o Fascismo e o Nazismo. Getúlio ocupava, segundo meu pai, uma versão sul americana desses ditadores europeus. Ele queria submeter o Estado de São Paulo, que possuía uma tradicional sociedade constitucionalista. Mas em São Paulo, as coisas não foram simples para Getúlio. Grandes manifestações de rua pediam uma Constituição e, destas manifestações surgiam conflitos que resultavam em vítimas fatais. Assim foi com a morte de Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, jovens estudantes cujas iniciais dos nomes deram o MMDC que acompanhou a revolução até o fim e nos anos posteriores.
Nos anos posteriores São Paulo não aceitou a vitória de Getúlio, ocasionada por traições de tropas que se diziam aliadas e constitucionais. Desta forma, São Paulo ganhou um interventor e passou muitos anos digerindo o ódio desta derrota. E assim, ser constitucionalista significou muito aos paulistanos durante muitos anos, mesmo depois que a ditadura de Getúlio já fora para o brejo. Nove de julho sempre foi data comemorada (ou lamentada) por São Paulo. No ponto mais bonito da cidade, bem ali onde fica o Parque do Ibirapuera há o Obelisco, memorial aos mortos pela Constituição.
Meu pai lutou por acreditar na causa Paulista. Cavou trincheiras, dirigiu para oficiais e tropas, viu gente morrendo como cão abandonado, e por isso, travou a memória. Não gostava sequer de ouvir falar na Revolução. Mas o legalismo fazia parte do seu coração como nunca conheci outro. Ele, que me aparece nesta foto desbotada na porta da Igreja de Cunha, engoliu o fel da derrota. Regurgitou este fel depois de 1969, quando eu passei a ser perseguida pela ditadura dos militares. Foi meu fiel escudeiro, ouviu berros dos torturados no DOI CODI e gemeu comigo as dores do regime de exceção. Em 1973 levou com meu marido e outras pessoas amigas o cadáver do meu filho mais velho para ser sepultado no túmulo da família. Ele era a pessoa mais equilibrada de todas, não que seu coração sangrasse menos. Doía, eu sei, doía muito, ver o replay de  tanta estupidez pelos regimes de exceção. E eu, quase morta num hospital de São Paulo, era a sua filha a quem havia passado a lição de ordem e governo legal, sem tiranias ou excessos.
Meu pai era um homem lindo. Viveu até os 91 anos de idade e apagou como uma velinha ao vento. Jamais perdeu a lucidez que norteou sua vida. Quero honrá-lo hoje, o maior pai do mundo, o melhor soldado de 1932.

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