Tenho lido uma vasta literatura Africana, de autores
Lusófonos a autores de outras regiões. Dos que falam a lingua portuguesa
misturada com os dialetos tribais, há gente maravilhosa como Pepetela, Luandino
Vieira, Ondjaki, Agualusa, todos de Angola. De Moçambique , temos o magistral
Mia Couto. Fora deste universo, é impossível falar de África sem mencionar
Chinua Achebe, da Nigéria, Doris Lessing, da Antiga Rodésia (hoje Zimbabue) e,
da África do Sul, o grande Coetzee, autor de um clássico chamado Desonra, que
vai nos fazendo sentir desonrado a cada página. Mas, a literatura mais dolorida
é a produzida pelas mulheres que deixaram a Somália e países islamizados do
nordeste e norte do continente, inclusive Egito, Marrocos e outros mais. Na
Somália e até no Egito, é comum entre as mulheres a prática da infibulação, que
corresponde à retirada do clitóris e à raspagem dos grandes lábios para que
cicatrizem de modo a garantir a inviolabilidade das virgens, ainda que por uma
saída minúscula elas consigam menstruar e urinar, e apesar de muitas terem
infecções que provocam fístulas e até a morte. Algumas conseguem fugir, e seu
destino é muitas vezes a Holanda, onde ficam em abrigos protegidos pois se
forem pegas pelas famílias, podem ser executadas sumariamente sem que isso
constitua um crime.
Está na xariá, a tradição muçulmana que sustenta os
governos nos princípios religiosos do islã. O clã é soberano para executar essa
justiça, assim como o apedrejamento das adúlteras e outros casos mais. E as
mulheres não tem acesso à educação como os homens, o que lhes rouba a
capacidade de escolher o próprio destino. Cabeças cobertas e submissão.
Pancadas dos maridos pois que são seu objeto. Este é o quadro de um estado
teocrático, baseado ainda no que falou Maomé quando uniu as tribos nômades do
deserto. Esta loucura tem mais de 1200 anos.
Aqui, na Terra de Santa Cruz, conhecemos também o braço pesado da
repressão religiosa, pois Portugal foi um dos países de Santa Inquisição
fortíssima. Muita gente morreu após confissões obtidas em tortura. Tivemos
escravidão, e os negros eram perseguidos por suas crenças trazidas da África.
Mas, o tempo passou e veio a República, que pelo seu caráter positivista
separou o Estado da religião. Assim, tornamo-nos um país de crenças livres e
ponto final. Mas, há notícias de que os evangélicos tem surrado gente de
religião afro-brasileira e queimado templos de pagés em Mato Grosso. Será
possível retornar à intolerância do passado? Não, nem que isso custe conflitos
muito graves. Respeitem para ser respeitados. Corremos o risco de acabar um
imenso crematório como foi Auchwitz. E assim será se consentirmos debilidades
como as do Marcos Feliciano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário