quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

AS LENTES DOS NOSSOS ÓCULOS



Uma cronista casual, escreveu na semana passada que São Paulo fazia 559 anos mas não tinha o que comemorar. A lente pela qual ela viu os horrores paulistanos, foi a lente que usa, a do Instituto Médico Legal, por onde passam todas as tragédias de um lugar. Ela foi muito infeliz em considerar minha cidade pela ótica da violência, pois São Paulo não se resume ao que acontece no mundo do trágico ou da suspeição. São Paulo pode ser vista sim com outras lentes mais coloridas e belas, mostrar uma megalópolis que não para nem de dia nem de noite, que tem a melhor Universidade da América do Sul, o museu mais precioso que é o MASP, repleto de Renoir, Van Gogh, Modigliani, Degas entre outros, um acervo de esculturas nas ruas e nos museus, avenidas gigantescas e imensas pontes para ligar as diversas partes da cidade, parques e jardins monumentais.

O planalto (cuore) entre a Serra do Mar e a da Cantareira, esta última precedida de um Horto Florestal de beleza inigualável, torna São Paulo  gigantesca demais para caber numa crônica desalentada de quem quer que seja. O próprio IML de São Paulo, lá no fim da Teodoro Sampaio, é uma pequena ponta do maior parque hospitalar, o Hospital das Clínicas, com tantos prédios e uma variedade tão grande de especialidades que, foi lá o lugar onde o Dr. Zerbini fez o segundo transplante de coração do mundo e depois decretou a interrupção do método pois que havia de se estudar mais de imunologia para entender o processo de rejeição. A pausa dos transplantes demorou mais ou menos uma década, e hoje, vivem mais transplantados nessa terra que em qualquer lugar do hemisfério sul.

 Só não vê belezas em São Paulo, quem não quer. E os que não querem, deveriam partir, pois o maior problema paulistano é a superpopulação. Então, tudo o que acontece aqui é mega. Mega eventos, mega desastres, mega greves, mega maternidades, mega tudo. Se, num acidente paulistano morrerem 234 pessoas, será proporcional ao tamanho da cidade. Assim também o número dos mortos em acidentes de transito e outros óbitos mais. Tudo grande, porém sem obscurecer o que a cidade tem de bom.

Santa Maria, cidade de menos de 300.000 habitantes, sofreu um trauma gigantesco neste último fim de semana. Dentro de uma casa noturna pereceram 234 jovens, a maioria com idade para ser meu filho. Gente bonita, com vontade de construir uma vida, foi ceifada pela raiz sem choro e sem porquês. Fosse uma favela que flamejasse sobre dutos de petróleo, que diriam os mais céticos? Que houve uma seleção natural da espécie? Sem dúvida, a comoção teria sido bem menor. Infelizmente existem eugenistas.

Aqueles jovens, tinham ideais... Assim, choro muito por Santa Maria, tenho uma dor no peito só de pensar que qualquer um dos mortos ou feridos podia ser meu, e lamento que o capítulo da irresponsabilidade não esteja contido na ordem comum da violência, essa diária que vai ao IML. Santa Maria, tão festejada pelos gaúchos pela sua população universitária, jamais será a mesma. Terá uma faixa de luto amarrada na entrada da cidade, até que o tempo passe e uma névoa de dor antiga se estabeleça perto dos jazigos.

Sofro quando passo pelo monumento aos soldados de 1932, meu pai entre eles, mas isso não tira a beleza do Ibirapuera onde as crianças correm sobre as gramas que homenageiam os que lutaram pelo Brasil Constitucional.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

MINHA SÃO PAULO

Quando era pequena, morava no município de São Paulo que, amanhã, completa 559 anos. Na minha distante infância, tive a oportunidade de assistir a comemoração do quarto centenário (1954), e eu tinha apenas 8 anos. Naquela época, a do quarto centenário, o velho rádio de válvulas do meu pai ficava ligado muitas horas por dia. De manhã havia as rádio-novelas, produzidas em minúsculas salas com a voz e as bugigangas dos atores, cuja função era fazer os barulhos parecidos aos que teriam de cenário... e as mães de todos os lares choravam com as heroínas, vibravam com os heróis, odiavam os vilões. Enfim, era uma soma de vozes, ruídos, enredos, acrescentados da força imaginativa das ouvintes vorazes...

Hoje, é impossível a uma pessoa mais nova ter noção do mundo pré-televisão. A TV acabou com esse apelo imaginativo dando o serviço completo, rico de imagens, sons, belos artistas, cenários maravilhosos, tudo isso muito enriquecido com os comerciais que entram sub-repticiamente entre os diálogos e as cenas da montagem da telinha.

Outra coisa que os mais novos terão dificuldade de compreender, é o lado poético de uma cidade cortada pelos bondes, com iluminação precária, e sem os altos edifícios que hoje elevaram-se para atender à demanda de moradores cada vez mais abundantes na capital. Na verdade, mais do que uma simples capital administrativa, São Paulo tornou-se também a capital das oportunidades, o centro onde nada falta, do mais rico traje ao mais rico automóvel, das mais tonitruantes liquidações aos mais incríveis lugares de produtos contrabandeados e muitas vezes vendidos sobre panos brancos nas calçadas, passíveis da recolha truculenta dos fiscais, ainda que fazedores de alegres consumidores de música e óculos escuros.

Realmente, não há como comparar a velha São Paulo com a nova. E, eu, paulistana de nascimento, muitas vezes me sinto nostálgica da velha cidade. Havia menos gente e era muito mais segura. Nós íamos a festas , os bailes animados por grandes orquestras mandavam seleções musicais das 22,00 às 4,00 da madrugada e, então, nosso grupinho, de smoking e gala completa, sentava-se nos degraus do comércio fechado para bater papo até que o primeiro ônibus começasse a circular. Então, trajados qual pingüins e cinderelas, voltávamos aos nossos lares enquanto os trabalhadores iam ao trabalho. E nada disso chocava quem quer que seja.

Naturalmente, naquele tempo havia uma repressão de costumes mais ampla. Nos bailes, dançar de rosto colado já apontava para um futuro compromisso. As moças mais ousadas eram chamadas de Maria Maçaneta, e os rapazes que não perdiam uma seleção nem para tomar um ingênuo cuba-libre, tinham o apelido de arroz-de-festa. Os pais sabiam de tudo o que se passava com seus filhos, pois de quando em quando uma pessoa de mais idade “cismava” de querer ir ao baile, pois afinal, sentia saudades.

Saudade, eis o nome correto que eu dou à falta que me faz o sossego daquela época. Maconheiro, naquele tempo era batedor de carteira. Os automóveis não faziam o trânsito virar um inferno. E nós pensávamos no futuro, nas nossas profissões pois, naquela ingenuidade, queríamos um dia ser reconhecidos com nossos atributos de dedicação. E, São Paulo, terra boa, terra da garoa. Um beijo de aniversário no fundo do seu coração.E que obtenha de volta a paz que nos era tão cara.




quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ETERNA VIOLÊNCIA

Meus caros leitores, estou de volta depois de tres semanas de retiro, semanas estas que corresponderam à do Natal e, depois, do Ano Novo. Este retiro eu me proponho a muitos anos pois tenho verdadeiro pavor da solidariedade falsa que se instala nos ambientes sociais, com obrigações de visitas, presentinhos, comidinhas e comilanças e, por aí vai. A única coisa que gosto efetivamente neste período são os pacotes de cerejas frescas, uma delícia que me sugere a volúpia e estimula a vontade de viver. O resto eu dispenso. Começo dispensando o caráter cristão da festa, pois os excessos de álcool e outras porcarias levam as pessoas a botar para fora os leões que rugem em seus inconscientes. E também, ninguém me garante que esse seja mesmo o aniversário de Jesus, criatura absolutamente ausente de historicidade pois os evangelhos são muito posteriores à sua dita curta vida. O Ano Novo merece também esse descrédito. Os orientais tem seus respectivos Anos Novos em períodos totalmente diferentes, mas são internacionalmente obrigados a levar em conta o calendário cristão porque os cristãos o impuseram com finalidade comercial, um dos objetivos do imperialismo global iniciado no século XVI. Entre tantos, prefiro os calendários calcados basicamente na natureza, mas essa, o próprio ser humano está dando conta de destruir, como se quisesse deixar um legado maldito aos filhos e netos.

Foi assim, com essa consciência histórica, que optei por saudáveis retiros. Não entendo bem o que as pessoas definem como violência. Se antes do Natal uma mercadoria custava Cem Reais e após o Ano Novo voltou a custar 50, a economia do mercado não teria praticado uma cruel violência contra o fruto do suor dos trabalhadores que gastam seus salários em presentes? Para mim, isto é um ato de violência mesmo. E, depois, o mundo se contorce em crises econômicas sem a menor moral para desestimular o consumo de quem quer que seja. Bem feito. O Capitalismo se autodestruirá ainda que ninguém saiba direito o que vai lhe suceder. Estamos frágeis, muito mais do que pensamos.

A mídia fez o favor de implantar na cabeça das pessoas que violência é o assassinato, a agressão doméstica, o abuso sexual, a criação de gangs para o mal, a guerra, a bomba, os desastre de carros, ônibus e caminhões cujos motoristas ingerem álcool etc. Por conta do tráfico de entorpecentes os estados mais populosos vivem em constante estado de guerra civil, as pessoas tem medo de sair de casa, admitem toque de recolher vindo do delinqüente e não da autoridade do Estado, os segmentos que delinqüem mesclaram-se aos que reprimem, e assim vivemos uma coreografia perversa. Tenho a sensação de viver num universo onde a mentira é cultuada como um deus. Mentindo, as igrejas roubam os dízimos de seus seguidores, o Estado cobra impostos que paguem o tamanho do rombo deixado pelos corruptos da economia nacional e mundial. Mentem os que dizem que falam em nome do Senhor até mesmo porque essa Força Suprema deixou aos homens o livre arbítrio. Meu velho pai dizia que “o plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória”. Foi assim que ele me ensinou sem nenhuma religião, acreditando que apenas a ética salva o mundo. Depois do meu desabafo, pergunto: uma boa reflexão não teria o poder de nos tirar desta eterna violência que a “sociedade do espetáculo” criou?