quarta-feira, 14 de novembro de 2012

REPÚBLICA E CONSCIÊNCIA NEGRA

Quando a Princesa Isabel, regente do trono Brasileiro no lugar de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, assinou a Lei Áurea que proibia a partir de 13 de maio de 1888 todo e qualquer tipo de escravidão negra no Brasil, uma das autoridades presentes no momento disse-lhe cortesmente: Vossa Majestade redimiu uma raça mas perdeu o seu trono! Foi assim que eu aprendi na escola desde o curso primário, e para mim tudo não passava de uma questão abstrata pois, sendo filha de imigrantes e morando no Horto Florestal, tinha na minha escola uma variedade de colegas com todos os tipos de cor de pele. Na hora do recreio brincávamos juntos e normalmente eu voltava para casa com uma coleguinha um pouco mais velha chamada Maria da Penha que era negra com os dentes brancos mais bonitos que já conheci. Mais tarde, quando meus pais me mandaram para o Colégio das Freiras, não havia nenhuma colega negra e, mesmo entre as brancas, não era com todas que eu podia brincar. As laristas, por exemplo, sentavam nas últimas carteiras e eram impedidas de nos dirigir palavras, pois estudavam naquela escola por “caridade” das irmãs e pertenciam a outra extração social.

Na verdade, a República aconteceu pelo desgaste natural da monarquia e pelos avanços do positivismo. Os grandes senhores de terra vinham a tempo buscando imigrantes europeus para suprir suas lavouras, e os negros acabaram marginalizados como qualquer gente branca miserável que andasse por aí. Então, esta passagem institucional do Império à República pouco alterou na doença que já havia no Brasil de então: a desigualdade social ultrajante entre as pessoas mais abonadas e os pobres.

Durante o século XX a miscigenação fez pelo povo um arco-iris de biótipos, de modo que nos dias de hoje, fica mais difícil encontrar um negro realmente negro ou um branco completamente branco. O Brasil não conheceu o Apartheid da África do Sul nem teve que se confrontar com as guerras tribais que a África enfrentou em virtude da descolonização. No entanto, nesta miríade de cores de pele do povo brasileiro, ainda é verdade que os tons mais claros de pele estão no alto da pirâmide social, e a morenice vai se acentuando na medida que a base da pirâmide se alarga.

Então, em tempos politicamente corretos, o governo Brasileiro resolveu que havia uma dívida para com os afro-descendentes. E a República Brasileira, com o escopo de tentar a redenção, criou o dia da Consciência Negra, tendo como continuidade o regime de cotas nas Universidades e a criminalização do preconceito racial. Fico profundamente incomodada com o caráter cínico das coisas políticamente corretas, uma vez que o acesso à universidade é negado não aos mais negros, e sim aos que estudaram em escolas públicas onde se perdeu todo o pudor de ensinar e respeitar. Um dos meus alunos mais brilhantes era afro-descendente, seguiu meu rumo de Estudos Medievais e doutorou-se com brilho na USP. Hoje, o José Rivair é professor da UFRGS. Como ele, tem o Ramatis Jacino, pós graduado pela USP quando já estava formando filhos em Universidade. Posso citar muitos mais, hoje homenageio a todos através de ambos. Foi a garra que fez deles os gênios que são. Ambos tem compromisso com a justiça social, não aquela do maniqueísmo medíocre, mas aquela que só gente do Trabalho consegue ter. A da luta de classes!

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