quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O OUTRO LADO DO ESPELHO - I I

Comecei a falar dos escritores africanos por Pepetela, um Angolano do tempo do MPLA, hoje um professor universitário em Luanda, aos 71 anos de idade. Sua obra me parece impactante pois dá conta da História de Angola desde a colonização portuguesa até as lutas da independência. Ora, conseguida a libertação de Angola, os próprios participantes desta luta desentenderam-se quanto ao poder. Então, vieram para dentro deste país africano, tanto os soviéticos como os cubanos, para tentar auxiliar na implantação de um estado socialista.

Olhando para trás, vejo um povo sofrido. Os tribais, até o século XIX sujeitos ao tráfico da escravidão, ao desmanche das famílias, aos poderes coloniais e imperiais que os torturavam em terras como o Brasil, sofrimento do qual até hoje não se recuperaram os descendentes. É triste, por ex. ver o pelourinho na Bahia, com suas pedras assentadas as custas do sangue e do suor destes negros; não bastasse isso, ainda os senhores impuseram seus ritos católicos a povos que tinham religiões animistas, de forma que nas noites da senzala os batuques eram o que sobrava do que tinham de uma cultura roubada, espoliada pelos dominadores. Torturas sofisticadas com objetos crudelíssimos, mas na Mama África, eles tinham as selvas para correr, tinham suas disputas internas, porém eram senhores do seu próprio destino. Hoje, em meu país, fico comovida com a luta que os descendentes de escravos mantém pela reparação do erro colonial, e ainda, vejo preconceitos que me causam náuseas e me buscam o ódio no fundo do coração.

Mas lá, Angola foi se refazendo. Teve momentos difíceis, porem deu uma pobreza grande de moradores reduzidos às suas cubatas em aglomerados humanos mais tristes que a Rocinha. E deram também gente nova, de boa cepa. Sobre Angola, não posso deixar de comemorar o mais jovem escritor, poeta e romancista, “Ondjaki”, 35 anos de idade, compositor de umas pérolas que atendem ao leitor adulto e infanto-juvenil. Entre suas belas obras, cito “Quantas madrugadas tem a noite”, “Avó Dezanove e o segredo do soviético”, “Bom dia Camaradas”, “E se amanhã o medo” e bué de outras. Como, você não sabe o que é bué? Pois no português de Angola, corresponde a grande porção. Bonito, não é? Cubata é uma casinha pobre, e todos esses livros trazem no final um dicionário para se poder acompanhar as diferenças do português ao longo do mundo.

Mas, o que chama atenção nos livros de Ondjaki, é o fato de ele retratar a estadia dos Soviéticos e dos Cubanos em Angola. Os primeiros envolveram-se em grandes obras e os segundos, eram professores que iam para a sala de aula a fim de dar à criançada um lastro cultural compatível com suas necessidades. Lindos livros. Bordados com carinho no papel, deixam-nos perder a hora do compromisso pelo encantamento e a jovialidade das obras. Uma coisa que me deixou encantada foi o fato de descobrir que o governo paulista mandou para os professores um kit de livros, e entre eles veio “Bom dia Camaradas”, que conta do relacionamento das crianças com a professora a quem tratam de Camarada Professora e tem um relacionamento de amizade e respeito. Quem dera fosse assim no Brasil. Termino esta parte citando o próprio Ondjaki: “ a ramela é um caramelo que o olho usa pra nunca amargar...”(continua)
Esta é uma homenagem às Mães Pretas que deram seu leite para criar os filhos dos senhores. É uma gratidão e uma vergonha que não temos como apagar.

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