sábado, 18 de agosto de 2012

HAVIA UMA PEDRA NO CAMINHO





Conheci de certa feita um senhor que padecia de uma doença degenerativa chamada Mal de Corino de Andrade. Este senhor tinha uma angustia permanente: casado, pai de dois filhos, a maior parte da família já fora ceifada pela tal doença; para ele, restava apenas esperar o fim, amargo como fora o de seu pai e de suas irmãs. Apesar da cadeira de rodas e das mãos em garra que mal sustentavam uma colher, ele punha a cabeça para trabalhar e inventava coisas que até Deus duvida. Os fatos aqui relatados aconteceram por volta de 1975, os arquivos atestam. O doente morava com a esposa e os filhos numa casa boa, de dois quartos amplos e demais dependências, como as demais casas da rua. Como havia um bom tempo que morava lá, tinha feito amizade forte com a vizinhança, e todos os fins de tarde lá ia ele para conversar. Enfim, ia levando a vida da melhor maneira que podia. Só não se conformava com uma coisa. Seu quintal na parte de trás da casa era menor que os outros, pois ali havia uma enorme pedra que os homens da construção resolveram não tirar dali, com medo de desestabilizar o terreno. E essa pedra, parecia estar instalada dentro do sapato do doente, tal a maneira que lhe incomodava. Várias vezes falou em retirá-la , mas sua vontade, passava por uma obsessão do infeliz que, como todos sabiam, jamais voltaria a andar livremente pelo bairro. Ou, numa ótica mais generosa, talvez ele quisesse mesmo era dilatar o espaço que sua cadeira de rodas podia alcançar. Muitas vezes a mulher lhe disse: que tanto lhe incomoda essa pedra? Sabe, no fundo eu até gosto dela, pois ela é bem lavadinha e eu ponho roupa para quarar na parte mais baixa. Quarar roupa, respondia ele, só mesmo duma mulher tonta podia vir essa idéia. Lá, eu mandava fazer um lindo gramado e ganhavas mais espaço.

O fato é que no meio do caminho havia uma pedra. Aborrecedora e desafiante.

Foi por essa época que em São Paulo inauguraram a técnica da implosão de edifícios, e ele viu pela televisão como veio abaixo um enorme edifício, sem comprometer os prédios ao lado. Então, sua mente desocupada passou à gestação de um plano ousado: implodir a pedra que tanto lhe aborrecia. Um dia, chamou em casa um baianinho que trabalhava nas pedreiras de Tremembé, e com lábia de doente carente, pediu ao rapaz que lhe arrumasse algumas bananas de dinamite. O baianinho, que se achava entendido no assunto, correu a lhe ajudar. Trouxe o dinamite, furou a pedra como fazia na pedreira, encaixou o explosivo e cobriu tudo. Os vizinhos foram todos chamados para ver a implosão, e, crédulos, vieram, se colocaram a prudente distancia. Então, num domingo cedo, os dois fizeram detonar as bombas. Foi uma poeira dos diabos, e quando a poeira assentou, descobriram horrorizados os vizinhos, que a pedra continuava no mesmo lugar, mas suas casas estavam literalmente destruídas. O baianinho fugiu. E a polícia não teve como punir o doente que já estava condenado à morte pela própria natureza. Tudo isso é tão verdade como eu me chamar Ivone.

Um comentário:

Anônimo disse...

O "caminho das pedras" pode ser duro e doloroso, mas é real, transparente e eficaz...Não devemos evitá-lo ou fazer de conta que ele não existe...O contato com as pedras, nos torna fortes e mais sábios. Parabéns pela crônica! Carlos Saraiva