segunda-feira, 23 de abril de 2012

26 de abril


Depois de vários anos e mais de 250 matérias escritas na Tribuna Livre, senti necessidade de dar um tempo e excluir tarefas que carecem de data certa e antena ligada. Umas férias, digamos assim.
Não estou me despedindo dos meus leitores, quem sabe apenas dando um até breve, pois preciso arrumar as prateleiras da minha vida. Aos que me conhecem bem, digo que muitas inquietações merecem muitas respostas, e para aquietar a cabeça, só mesmo parando um pouco. Assim, abro mão momentaneamente da coluna como neguei fazer bancas examinadoras a que fui convocada. Só não posso abrir mão de mim mesma. Nem da minha mãe velhinha que tem 93 anos, está completamente lúcida e mal consigo visitá-la. Nem do meu marido e dos meus filhos que também ressentem do meu distanciamento em ocasiões que eu podia caminhar junto a eles.
Escolhi esta data para dar um até breve a todos e agradecer as deferências do Mogi News com sua competente administração, seu conjunto de funcionários maravilhosos, e o meu querido amigo Márcio Siqueira que abriu-me as portas da casa com o carinho que sempre lhe foi peculiar.
Mas não escolhi ao acaso esta data para iniciar minhas férias. Esperei 26 de Abril por ser este o dia em que meu pai, se vivo fosse, estaria completando 101 anos de idade. Ele era um homem simples, sem escolaridade, mas com grande formação autodidata. Foi o homem que me estimulou sempre a progredir em meus estudos, alcançar o ponto mais alto da minha carreira acadêmica e, também, a nunca renunciar ao amor, à honestidade intelectual, aos princípios de moral sólidos e uma ética eficiente.
Agora, tem dez anos que meu pai faleceu. Por vezes, sinto que foram dez dias, tão grande é a presença dele em mim.
Quanto aos rumos do Brasil e do mundo, se estivesse vivo teria as mesmas torções estomacais que eu tenho. Quanta gente morta em guerras inúteis, quanta gente morrendo de fome no meio da fartura. Isso seguramente era demais para ele, um homem que lutou em 1932 pela Constituição do Brasil. Ele não teria coração para ver tanto enxovalhamento da nossa bandeira e dos nossos ideais.
Percebem agora, meus leitores, quais são as prateleiras internas que tenho para arrumar? Como posso sepultar meu filho morto pela ditadura se todos os dias vejo crianças cadavéricas comendo restos de lixo enquanto se gasta fortunas com coisas que seriam absolutamente dispensáveis? Como posso imaginar que vivemos numa democracia se todos os nossos atos são comandados por propagandas sub-liminares terríveis? De-me um tempo, querido leitor. Não estou entre os que oprimem, roubam ou praticam atos lesivos ao próximo. Mas estou, definitivamente no Outono da Existência.

Na vida de cada um existe um ponto em que temos que focar nossos interesses mais imediatos. Meu pai foi exemplar quando fixou esse ponto em sua vida. E nunca faltou com os filhos, com a esposa, com os netos. Ele era doce como um favo de mel recem colhido, e seguiu assim até seu último dia de vida. Eu estava com ele quando nos despedimos um do outro. Ele, muito cristalino, disse: Filha, estou morrendo. E tranquilamente respondi: Está, meu pai, mas não se inquiete: um dia, lá diante a gente se vê. E ele foi em paz, numa linda tarde de por de sol de trombeta, como diria Emília de Rabicó, minha mentora infantil.

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