terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

INTOLERÂNCIA




Desde que o Brasil foi dominado pelos portugueses, os conquistadores injetaram nesse país uma enormidade de pessoas da raça negra, tiradas de seu solo natal africano, por vezes perdedores de guerras tribais, que se tornavam vítimas do mercado escravo. Então, transpor essa massa humana para o Brasil num longo período de mais de três séculos, significou mesclar os nossos habitantes primevos, os indígenas, donos de uma cultura plural de muitas etnias, com os negros, também de línguas e costumes diversos, e os portugueses, que por si só eram a soma gradual de fenícios, gregos, romanos, celtas, vândalos, visigodos, árabes e franceses da Borgonha, entre outros. O povo brasileiro é então o produto final de uma gama tão extraordinária de gente, que as tradições tem um preço alto para serem mantidas. Mas, é histórico e antropológico: sufocar uma tradição qualquer significa matar o passado, deixar a cultura ao deus-dará, e olhar o futuro com olhos de laranja mecânica.
Sucede que nos últimos tempos, mesmo com toda a mestiçagem, foram se criando novas tendências em matéria de comidas, vestimentas e mesmo de fé. Justamente no terreno da fé, o Brasil andou mais devagar. A lei da liberdade religiosa data de 1946 e tem como signatários da carta de liberdade de culto, pessoas como Gilberto Freyre e Jorge Amado. E, assim como os portugueses trouxeram para o Brasil a face mais radical da religião católica, também os outros povos que haviam sincretizado suas crenças, começaram nas últimas décadas do século XX a praticar abertamente seus ritos ancestrais.
Ora, as religiões derivadas da cosmogonia judaico-cristã, assumiram formas variadas, mas algumas delas lançaram-se ao caminho da intolerância, vendo nas manifestações dos velhos ritos indígenas ou afros, algo como manifestações demoníacas. É bom lembrar que em todos os grupos, por diferenciados que sejam de origem, existem sub-grupos que valorizam manifestações mediúnicas, por exemplo, e em seus ritos, fazem apelos musicais para a transcendência. Assim, se os brancos usam Bach, Haendel e outros para criar o ambiente místico, nada mais justo que aceitarmos os atabaques dos terreiros que exercem o mesmo papel. No entanto, a intolerância tem se instalado nesse Brasil de todos. Na Bahia, vi ataques ferozes a filhas de santo do Candomblé. Em Brasília, recentemente fecharam dez terreiros. E, o que faço eu com as quermesses da paróquia do meu bairro que durante quase um mês gritam alto falantes na minha orelha? Tenho mesmo que ouvir os gritos histéricos de expiação de uma Assembléia de Deus que há perto de casa? Por favor, deixem tocar em paz os atabaques. Não calem a voz dos oprimidos a quem o Brasil deve tanto.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Virginia Woolf

Uma belíssima imagem como essa, remete-nos à obra da escritora inglesa Virginia Woolf, que viveu de 1882 a 1941. Era filha de um casal, ambos casados em segundas núpcias, e fazia parte de uma prole numerosa, somados os filhos novos aos dos casamentos anteriores dos pais. Virginia virou uma espécie de ícone das lésbicas da segunda metade do século XX, por sua vida afetiva tumultuada e alguns envolvimentos com mulheres. Foi todavia casada com um editor - Leonard Woolf, ainda que esse casamento tenha lhe valido medos e internações por depressão. Lendo os biógrafos da autora, é possível atribuir a ela mais um quadro de machofobia do que de homossexualismo. A melhor biografia de que dispomos de Virginia , foi escrita por Nadia Fusini e leva o nome "Sou dona da minha alma". Nadia escreveu essa biografia a partir da sucessiva análise das obras produzidas por Virginia, e essa autora escreveu demais... Perfeccionista das letras, fez parte do grupo de Bloomsbury, artistas, escritores e intelectuais que significavam para Londres o que Paris conheceu com Picasso, Dali, Modigliani, Gertrude Stein e tantos outros.

As obras de Virginia Woolf tem muito de referência à sua pessoa. Ela leva para os enredos e construções literárias, experiências que lhes foram próximas. E assim desvendam-se dores e alegrias, romances e ações ágeis. E, quando o tempo corre longo, ele tras embutido em si um velho sonho. É o caso de "Ida ao Farol", obra que remete à infância dos personagens, quando todos, particularmente os mais novos, esperavam o dia de navegar até o farol, donde o faroleiro nunca saía. Porém, como o tempo não ajudava na travessia das águas, o plano foi sendo adiado, até que a matriarca da família morreu, as crianças ficaram grandes e, chegar ao farol já perdera o encanto que sugeria na infância.

Virginia suicidou-se jogando-se no curso de um rio, em 1941, quando não suportava mais as pressões da Segunda Guerra Mundial sobre o cotidiano de sua vida.

Apeguei-me ao farol porque ele é o guia das embarcações (vidas) e torna o trajeto mais seguro. Quem pode nessa vida dizer que um dia já não procurou a luz de um farol?

sábado, 25 de fevereiro de 2012

CRIAÇÃO



Meus pais criaram meus irmãos para sermos honestos e firmes no modo de encarar a vida. Cada um seguiu seu caminho buecando sempre o máximo de retidão possível, mas isso não foi tudo: fomos criados também para aceitar a transitoriedade das coisas. Realmente, tudo é transitório. Meu pai faleceu há dez anos, minha mãe ainda vive com as dificuldades naturais de uma pessoa de 93 anos de idade. Minha irmã mais velha conduz bem seu núcleo familiar, e eu, de minha parte, estudei muito, tornei-me medievalista, casei-me, tive 3 filhos. O mais velho dos meus meninos faleceu vítima da estupidez e do sofrimento que sofri nos porões do DOI-CODI na época da ditadura militar no Brasil. Depois, tivemos mais duas crianças que hoje são adultos de respeito e encaram a vida com seriedade. Esses dias, eu perguntava ao meu companheiro há mais de 40 anos, que flor melhor me traduziria. E ele escolheu esta: o Crisântemo. Meu pai chamava-se Chrysanto e era uma das pessoas melhores que já conheci. E eu, por minha vez, em muitas ocasiões tomei-o por modelo na hora de decidir coisas difíceis.

O Crisântemo é uma flor de muitas pétalas. O vento, a chuva, as tempestades podem até vergar o seu caule e desprender algumas pétalas, mas, passado o vendaval, lá está a flor, bela e soberana no seu canto. Quando o tempo passa, o Crisântemo murcha. Depois, vai ao solo, deixando sementes e adubando a terra. É esse o caráter da transitoriedade que existe em todos nós. Por enquanto, apesar dos meus 66 bem vividos anos, ainda não despetalei. Mas não tenho medo do futuro. Por que teria se as sementes já estão até germinadinhas?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

HONESTIDADE EM CONCURSOS

Tanto eu como o professor doutor Jônatas Batista Neto estamos lutando para que os Concursos de Infresso nas Universidades sejam mais limpos, isentos de preferencialismos e principalmente justos. Recentemente, num concurso para professor de História da Arte Medieval na Federal de Guarulhos, ficamos atônitos ao ver a aprovação de uma candidata que não entendia nada do assunto, em detrimento do candidato Eduardo Heinrich Aubert, justamente doutorado na Área pela Escola de Estudos Superiores, em Paris. Ora, Eduardo doutorou-se analisando partituras musicais da Idade Média nos mosteiros da Europa. Esse professor que, diga-se de passagem, tem idade para ser filho meu ou do Jônatas, é de um saber e de uma vivacidade impressionantes. Mas, foi preterido por compadrismo. Entre os muitos absurdos: a presidente da banca era da área médica; o professor Marcelo Cândido não conhece nem a estrutura temporal do ensino em Pós graduação na USP e, sendo professor daquela Universidade usa o cargo para "conchavos" e preferencialismo - isto é, desconhece ética profissional, e, finalmente, não sei dizer que papel teve a Dra Maria Eurydice Ribeiro nessa deslealdade, quando eu mesma participei de uma banca na UNB presidida por ela, onde, sabe-se lá por que vias mal intencionadas houve um candidato único cujos documentos estavam chancelados por aquela Universidade mas o diploma do tal professor era FALSO, como apurou depois a Polícia Federal, mandando o tal professor para a Justiça. Naquele tempo Eurydice não aceitou a ilegalidade do falso professor. E agora? O que teria acontecido?

Esperamos respostas para tudo. Que o Ministério Público se manifeste, que JUSTIÇA seja feita.

HONESTIDADE EM CONCURSOS

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

CONCURSOS

Tenho um notável amigo que, aos trinta anos, já defendeu seu mestrado, depois passou-se ao doutorado na Sorbonne e atingiu o grau de Doutor com todas as láureas possíveis, entre as quais a possibilidade de desenvolver um trabalho em Cambridge. Quando veio ao Brasil, depois do seu doutorado, tinha a vontade de ficar aqui, uma vez que sua família mora no Estado de São Paulo. Meu amigo chama-se Eduardo Heirich Aubert e é filho de um semioticista da Universidade de São Paulo, de nacionalidade norueguesa. Até pela história de família, Eduardo tinha uma formação requintada. Estudou dez anos de canto lírico, e quando se dedicou à carreira de medievalista, afundou-se nos mosteiros da Europa a fim de classificar fontes históricas medievais no terreno do canto. Realmente, seus estudos foram difíceis e sofisticados. Mas o levaram a uma erudição sem limites, enfim, tornou-se um intelectual respeitabilíssimo em Idade Média apesar de ser tão jovem.
Com a expansão da rede de Universidades públicas federais no Brasil, abriram-se muitas vagas para professores do ensino superior. Entre essas vagas, surgiu uma no campus de Guarulhos, especificamente de História da Arte Medieval. Meu amigo pegou seus documentos, seu Currículum Lattes e fez a inscrição. Evidente, ele era um candidato de fôlego, e estava para os demais concorrentes mais ou menos como Maria Callas está para Tati Quebra Barraco, ou seja, não vê a discrepância quem é cego, ou melhor, neste caso que citei, quem é surdo.
Mas não era propósito da banca examinadora verificar quem era melhor. A eles interessava dar a vaga a pessoa do grupo, melhor dizendo, da “curriola”. E essa pessoa tinha um Curriculum Lattes totalmente voltado para História da América, o que por si só significava criar uma professora que ministrasse aulas em absoluto desconhecimento da matéria de História Medieval. Lembro aqui que um medievalista tem que ter o domínio de várias línguas, inclusive em suas versões arcaicas, fora, naturalmente, o latim e o grego. Assim, ser Medievalista é muito difícil e carece de bagagem intelectual imensa.
Para espanto de todos, a presidente do processo seletivo era uma médica da UNIFESP. Ora, uma médica está tão inapta a julgar concursos de Medieval, quanto um medievalista é inapto para ser da banca examinadora de um concurso de cirurgia ou qualquer especialidade médica.
Deu no que deu. Esta banca de má fé ignorou o saber de Eduardo e deu a vaga à tal professora que só tem currículo de América. Os fatos por si só são nojentos. Pior ainda, revelaram o lado corrupto daqueles que se entendem inteligência nacional.
Sou doutora em História Social da Idade Média há um quarto de século. Agora, aguardo a Justiça em nome do que SABE mais.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

TEMPO DA INOCÊNCIA

Semana de Carnaval. Muitas famílias de bagagens prontas para mais uma curtição na praia ou no campo, as grandes cidades se esvaziam. Ficam apenas os caseiros e os foliões. Os caseiros com o traseiro quadrado de tanto ver TV; os foliões, para participar dos desfiles de Escolas de Samba, todas pasteurizadas pelos moldes televisivos contemporâneos. São 5 dias que o bom senso manda ter cautela nas estradas e no amor livre . Enfim, uma semana perigosa, desafiante.
Tenho hoje uma clara dimensão das perdas que a sociedade sofreu no último meio século. A maior delas foi sem dúvida a perda da inocência. Não vou falar das Escolas de Samba porque elas são parceiras comerciais das intenções turísticas do país, mas nada me cala quando penso nos loucos das estradas, a correr, a matar e a morrer; aos cervejófilos tão inconseqüentes; à sexualidade “sans peur” (sem medo), à prostituição infantil; as drogas que circulam com a facilidade de um cafezinho, enfim, os dias de liberação geral que atualmente tem muito mais perigos que antigamente.
O que me deixa mais triste contudo não é a lassidão dos costumes; desde que o mundo é mundo, festas como essas prestam-se à catarse. Redime-se na liberação os sacrifícios de um ano de trabalho. E penso no falecido Joãozinho Trinta, morto a pouco tempo, mago das coreografias que migrou do mundo da ópera para o mundo das avenidas, repleto de inspirações e com tiradas fenomenais do tipo: “Quem gosta de miséria é intelectual”! Assim, insurgir-se contra a fantasia teria o mesmo peso que desacreditar do vestido de noiva, sonho de boa parcela das moças de hoje. São sonhos construídos.
O que me deixa mais triste realmente é observar o empobrecimento cultural da criação das fantasias musicais, das modinhas que marcam o evento. Tempo houve em que elaborar música carnavalesca era tarefa de grandes compositores, e isso é tão verdadeiro que ofereço um sorvete de manga aos que se esqueceram da “...jardineira, por que estás tão triste” ou da melancólica “Estrela d´Alva” no céu despontando com tamanho esplendor. Estas maravilhas foram compostas na segunda pessoa do singular sem ganhar com isso qualquer snobismo. Vejamos: “jardineira, por que estás tão triste, o que foi que te aconteceu”... ou “Linda pastora, morena da cor de Madalena, tu não tens pena, de mim”... Um primor de composições. E, um pouco mais tardia, por volta dos anos 70, a construção do Paulinho da Viola “Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar”...
Pois foi. A era da TV trocou a palavra pela imagem. A palavra foi reduzida, amesquinhada, desentendida (Ai se eu te pego) para dar lugar aos apelos visuais e sensuais. Que pena! Melhor ficar em casa curtindo um bom livro...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CLAUDIO E LAURA


Pouco se fala de Claudio Manuel da Costa, o Inconfidente que “se matou” na prisão, em um cômodo pequeníssimo da Casa dos Contos, em Minas Gerais. Afinal, como os demais foram até o fim do processo e Tiradentes pagou por santos e pecadores, a Inconfidência Mineira acabou por se tornar uma cretina efeméride que deturpou os fatos e misturou personagens de maneira vigorosa. Só os maçons conferem algum brilho, mesmo que a maior parte deles jamais tenha lido “A Devassa da Devassa” de Maxwell. E assim, fica tudo volteado por uma nuvem que clama por documentos para afirmar de fato quem é quem na Inconfidência.
Laura de Mello e Souza, empenhou-se em contar a história de Claudio Manuel da Costa, o menos conhecido, talvez o mais desprezado por ter falado do nome de outros inconfidentes e depois se “suicidado” no cárcere. Como a formiguinha de arquivos que sempre foi, Laura buscou documentos, arquivos, usou de seu grande tirocínio histórico e escreveu uma biografia decente deste homem.
Naturalmente, voltou às origens do mesmo. Seus pais vieram de Portugal, estabeleceram-se numa várzea perto do Itacolomi, adquiriram escravos e pariram filhos. Cinco homens. Todos, mandados para fazer os Estudos Superiores em Coimbra com o que os pais ganharam na mineração. Claudio voltou formado e, imediatamente iniciou-se na vida pública de Vila Rica, como advogado que era. Aí, conheceu o amor de sua vida,uma negra com quem teve filhos e viveu até o fim de seus dias. Este casamento misto não podia ser reconhecido, desta forma, sua mulher morava em uma residência com os filhos e Claudio em outra, para não ferir os costumes locais, como fizera um parente seu Contratador de Diamantes, ligado à Chica da Silva.
No entanto, a administração portuguesa era instável. Claudio chegou a saudar o modelo “iluminista” do Marques de Pombal, porém Portugal queria ouro para se reconstruir do terremoto de Lisboa. Assim, os mineradores se rebelaram. Claudio foi preso e submetido às torturas da época. Que tenha falado do nome de companheiros, pode até ter ocorrido, mas a posição do cadáver onde foi encontrado morto, não sugere que tenha havido um suicídio.
Nesse passo da história, me abateu algo sinistro, como a morte de Wladimir Herzog. E o fato, é que permaneceu mais nebuloso ainda o lugar onde Claudio foi sepultado.
Esta obra de Laura de Mello e Souza foi escrita, se não estou equivocada, no momento em que seu esposo foi vítima de morte súbita, e ela sofria demais. Mas, nem o sofrimento abateu a poesia de sua obra. Por isso, afirmo: os sensíveis e os sábios, transformam lágrimas em diamantes.
Leia Claudio Manuel da Costa, de Laura de Mello e Souza, o que há de mais belo na literatura brasileira atual. A publicação é da Companhia das Letras, da série Perfis Brasileiros.