quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

CRIMES E PECADOS

Foi matéria de muitos números do jornal, a implacável luta dos moradores e comerciantes contra as atividades vis praticadas no “Quadrilátero do Pecado”.Como quis o destino que eu acabasse me pós doutorando em questões do corpo como elemento de exclusão social, entendo que é hora de tecer alguns comentários.

Em primeiro lugar, não existe nesta cidade um quadrilátero do pecado. O que existe é uma área próxima “a estação de trem e terminal de ônibus que, como em qualquer cidade, acaba sendo o lugar de “alívio” dos viajantes mais afoitos. Daí, nesta região, concentrarem-se profissionais do sexo para todas as preferências da clientela. E isso, por si só, não é crime. É apenas o indicador de um grupo de marginalizados que estão a carecer de alguma atenção especial. Cometeu-se o equívoco de colocar as prostitutas como delinqüentes, o que não é correto. Segundo a “Enciclopaedia of Social Sciences, elas pertencem simplesmente ao grupo de exclusão social nas sociedades ocidentais, e, como a maioria vem de extrações menos privilegiadas do povo, não tiveram acesso ao “saber” ou às normas de uma vida mais condizente. Ou então, foram simplesmente desovadas nesse meio porque nenhum emprego as aceitou, afinal, o capitalismo selvagem é cruel com os menos ajaezados. Quem delinqüe nesse meio, são os proxenetas, os donos de lugares infectos onde elas vendem seus corpos, mas, posso garantir que, passando em lugares pouco mais distantes do tal quadrilátero, já vi homens se felando nos degraus de lojas fechadas do centro de Mogi. Vi também meninas em pleno intercurso com coleguinhas de escola, atrás de muros onde as rondas não são constantes. Sexo público. É disso que tratam os ultrajados. E no dito quadrilátero, existe supostamente a cobrança de pedágio aos moradores, sem falar da lei do silêncio que é desrespeitada todo o tempo. Ora, agora entramos sim no mundo do crime. Cercear o direito de ir e vir é crime. Desrespeitar a lei do silêncio também é, passível de multas e interdição dos estabelecimentos.

Na Idade Média, era a Igreja católica que controlava a prostituição. Ela entendia que as mulheres da vida tinham imensa utilidade social, pois os homens que vinham às cidades fazer negócios, ficavam mais calmos depois de passarem por um prostíbulo, enfim, as prostitutas funcionavam como mediadoras da violência entre os homens, sendo pois consideradas um mal necessário. Esta visão é cruel, uma vez que eram igualmente estigmatizadas. No entanto, a profissão se manteve durante os séculos para que os rapazes preservassem então a pureza de suas futuras esposas. E depois de casados, continuavam freqüentando os bordéis pois as mulheres de lá eram mais agradáveis do que as mães dos seus filhos. E hoje, por que existem putas? Ora, mesmo em tempos de sexo bem liberal, elas existem porque tem quem as freqüente. Isso mesmo, para exigirmos a continência das mulheres, temos também que exigir a dos homens. Eles não valem um traque a mais do que as mulheres.

Isso tudo se aplica também ao caso dos drogados, que vão às faculdades, aos bailes chiques e também às baladas simples da vida. Se não tivessem a compulsão pela droga, não haveria traficantes, portanto, não viveríamos em guerra civil. O Brasil só precisa de uma coisa. Deixar de ser cínico e tornar-se sério quando enfrenta os seus problemas.

OK, LEITORES, TANTA COISA PARA SE OCUPAR E VÃO GASTAR O TEMPO PARA IMPLICAR COM A PUTARIA. ALIÁS, PELO JEITO TEM GENTE POR AÍ QUERENDO QUE A MAMÃE VOLTE PARA CASA.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

BOCAS CALADAS

Estou nas últimas páginas da leitura do livro de Mário Magalhães, intitulado “Marighella.O guerrilheiro que incendiou o mundo”. Os jovens de hoje não fazem idéia do que se passou realmente naquele período da ditadura militar e como havia gente que se contrapunha ao regime ditatorial. Mário Magalhães, nascido em 1964, jornalista de profissão, debruçou-se sobre os fartos arquivos existentes para compor a biografia de Marighella, líder político das esquerdas que desde o tempo de Getúlio amargou torturas e inúmeras prisões, até se tornar em 1967 o chefe da Organização chamada Aliança Libertadora Nacional (ALN). O livro é muito bem escrito, causa espanto o número de documentos por ele compulsados, e também joga luzes sobre fatos ocorridos entre 1967 e 1969, data em que o chefe guerrilheiro foi morto numa tocaia na Alameda Casa Branca, em São Paulo, pelos policiais do DOI-CODI liderados por Sérgio Paranhos Fleury, o mais sinistro dos drogados homens da repressão e chefe do então Esquadrão da Morte.

Muito se tem escrito sobre estes anos de chumbo, no entanto o autor desta biografia consegue conciliar as diferenças que uma grossa colcha de retalhos fazia transpor para o conhecimento da época. Esta foi a melhor contextualização do período que já li. E todas as citações e afirmativas batem com minha memória do período, pois eu estava lá, vivendo o medo de torturadores anormais e via pessoas serem mortas na tortura para depois ganhar um atestado de óbito falso assinado por um aliado da ditadura no IML, de nome Harry Shibata.

Antes da ditadura de 1964 havia no Brasil uma efervescência de desejo de crescimento. O Brasil queria ser mais, não queria ser lacaio dos EUA, não queria ser monitorado pelo capital estrangeiro. As escolas eram um reduto de cabeças sequiosas de saber e liberdade; os sindicatos eram estruturados e, bem ou mal, representavam suas categorias. Os militares, com medo da implantação de um regime socialista, deram o golpe de estado de 1964. Os inconformados tiveram que engolir em 68 o Ato Institucional 5, e então, os intelectuais deixaram o país, os estudantes foram reprimidos em seus congressos, as passeatas estavam proibidas.Enfim, não havia mais a garantia individual para ninguém. Quando a ALN foi fundada, seu propósito era derrubar a ditadura e implantar um sistema sem desigualdade social, mas, para atingir esse intento, precisavam reproduzir aqui uma resistência semelhante à dos Vietnamitas contra os EUA. E, para obter armas, precisava-se de dinheiro, daí formaram-se os famosos grupos táticos armados que assaltavam bancos, joalherias, cofres de políticos corruptos. O real objetivo era criar a guerrilha rural. O ato mais ousado foi, em setembro de 1969, seqüestrar o embaixador dos EUA em troca da libertação de 15 prisioneiros, entre os quais estava José Dirceu. Depois desta ação a repressão ficou solta nas ruas qual cachorro louco. Quem era preso, era submetido às mais cruéis torturas, com choques (Eles tinham fixação na genitália) e não pouparam sequer mulheres e crianças. Em 29 de setembro prenderam e logo mataram na tortura Virgílio Gomes da Silva, o braço direito de Marighella. No dia da morte deste homem, eu estava lá, mas ao verem que haviam matado a melhor fonte de informações, em seguida libertaram os menos implicados, entre eles, eu. Zé Dirceu a esta altura, estava livre e leve no exílio!




No exílio, durante a ditadura estavam também o Serra, o FHC e um grupo de gente que conseguiu se evadir. Enquanto isso, no Brasil, sob novas lideranças as forças das Organizações foram se esgotando, e assim, alinhavando retalhos de confissões obtidas sob tortura, mataram Marighella no dia 4 de novembro. Quero deixar claro aqui que omiti outros grupos também exterminados por não serem tratados no livro de Magalhães, Mas seria lícito falar da guerrilha no norte do país, da qual só sobrou Genoíno, e do Capitão Lamarca que roubara as armas de Quitaúna e formara um grupo de guerrilha rural no Vale do Ribeira. Lamarca morreu miseravelmente só algum tempo depois.

Os presos políticos ficaram em São Paulo no Presídio Tiradentes, depois no Pavilhão 9 do Carandirú e finalmente no presídio Romeu Gomes da Polícia Militar. Souberam levar seu tempo prisional de cabeça erguida, mas havia casos de mágoa por gente que tinha sido delatada na tortura. E, pior que isso, havia ainda na administração pública do estado, gente corrupta que, quando era sindicada por atos de improbidade administrativa, jogava a culpa sobre pessoas que estavam vulneráveis frente a repressão. Mário Magalhães redime quem tanto sofreu nas salas de tortura e forneceu algum dado à repressão. Essa é a grandeza do livro. Porem, nos anos que seguiram à morte de Marighella, ainda está em aberto o estudo sobre as torpes criaturas que se aproveitaram daquela guerra para enriquecer (e foi muita gente) ou se safar de punições que nada tinham a ver com política. Esses também deixaram correr o sangue de pessoas que nada tinham a ver com armas e assaltos. Foi o meu caso. Meu filho mais velho, que hoje estaria para completar 40 anos, estava na minha barriga quando fui presa após a denuncia de uma diretora que queria o meu lugar na escola que eu dirigia. Tive minha casa invadida, fui presa várias vezes, um interrogador tentou me estuprar grávida de sete meses nas dependências do DOI-CODI e então, tive um ataque de pré-eclâmpsia e fui hospitalizada. Eu sobrevivi. Meu filho, viveu uns poucos dias mas seu pulmão colabou e ele faleceu. Essa inocente criatura pagou pelas vidas que eu salvei no período anterior, meu coração sangra até hoje.

Mas, outras vítimas foram produzidas. O silêncio imposto pelos militares, as modificações nos currículos das escolas para que os alunos não pensassem em ciências sociais, foram pouco a pouco destruindo a capacidade reflexiva dos jovens. Então, quem não tem visão social das coisas, se aliena e busca apoio lúdico nas drogas e outros atos inconseqüentes. Eles queriam todas as bocas caladas. E conseguiram. Pior, quando depois da abertura a oposição chegou ao poder, os brasileiros não sabiam mais como escolher.

O processo do mensalão, mesmo tendo que punir gente como Zé Dirceu e Genoino, teve um lado muito salutar. Mostrou que as Instituições Jurídicas tem capacidade de separar o joio do trigo e que a democracia vive. Era apenas isso que eu queria quando era militante política. Ditaduras, jamais, nem da Direita, nem da Esquerda, nem do Capital. Desta última ainda não estamos livres. E ainda, a nossa juventude está iniciando sua vida mais crítica e seletiva, mesmo que vagarosamente, pois uma fração dela se refugiou nas religiões oportunistas que apareceram por aí.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

FIM DE ANO * ACABE LOGO

Dou um sorvete de nozes e um bombom Koppenhagen a quem me disser que não está torcendo para 2012 acabar rápido. Aos meus amigos Europeus, Americanos, Brasileiros, Paulistas, Mogianos, que tem  o medo da crise econômica pesar-lhe às costas, eu desejo que dezembro passe num piscar de olhos para que o ano seguinte seja mais ameno em todos os sentidos, com mais paz, mais saúde, mais ofertas de empregos, e, porque não, fartura, pelo menos na mesa.

UM TEMPO PARA PENSAR

Quando uma pessoa que está sob os olhos da justiça e da nação é processada e condenada a uma pena de sete anos e dez meses de cadeia além de uma multa que, nós mortais comuns,jamais teremos, imaginamos: fazer o que? Ficar em algum trabalho durante o dia e ir para a cama exígua do presídio quando anoitece? Ver televisão? Ficar sem whiskie e jantar a comida feita atrás das grades?

Essas dúvidas são naturais pois na cabeça das pessoas normais, o lar é o recolhimento noturno, enquanto o dia foi feito para trabalhar muito e ganhar o sustento desse lar cujos impostos municipais, estaduais e federais levam quase a metade da renda. E as criaturas do povo não “lavam” dinheiro, não recebem propinas em troca de votos parlamentares, necessitando muitas vezes ter um segundo emprego para aumentar a renda da família.

Pois é, um político local muito conhecido foi condenado à pena acima pelo Supremo Tribunal Federal, e agora vai despejar o seu milhãozinho nos cofres públicos e mudar temporariamente seu modo de vida. Até que ponto, pergunto eu? Esse regime semi aberto não vai tirar o condenado das intrigas palacianas nem vai corrigir seus maus hábitos de fazer o que bem quer. Pior, vai ficar fora durante o dia para monitorar e tentar corromper os que investigam novas fraudes que podem lhe incriminar mais. Ora, não foi assim que sua vida se passou até hoje? Por que mudaria?

O Supremo foi benevolente com as penas que atribuiu na Ação 470. Penas baixas para grandes crimes, enquanto o populacho aplaude a esperteza do raposão-menino, e ainda vota nele e em seu partido como se ele tivesse de fato algum interesse em querer o nosso bem. Portanto, considero todos os seus eleitores igualmente condenados, e se isso é impossível pelo direito constitucional, pelo menos coloca uma tarja negra, a marca da indignidade , na manga de quem permitiu a ascensão política do rapaz.

Minhas dúvidas não ficam por aí. De que se ocupará o garoto durante o dia? Saberá ele assentar um tijolo para auxiliar na tarefa de construir casas a um povo que tem carência de habitação? Pintará paredes que ficaram imundas com as inscrições de moleques desocupados? Subirá nos andaimes dos mais altos edifícios da capital brasileira, a fim de limpar os vidros sujos pela poeira ou escorridos pela água das chuvas? Trabalhará em coleta seletiva de lixo ensinando aos cidadãos comuns como se separa o que é descartável? Ou mais, entrará em sala de aula para alfabetizar jovens que vem analfabetos desde as séries iniciais por conta da promoção automática no sistema de ensino? Todas as tarefas propostas são heróicas, nenhuma manchará a folha de serviços de um condenado a regime semi-aberto de prisão. Mas eu duvido que, uma pessoa que passou o tempo aos conchavos pelas esquinas da vida, queira de fato se dedicar a uma jornada de mortal comum. Não abrirá mão dos almoços sofisticados de Brasília, regados a bons vinhos franceses. Nem dos ternos impecáveis, menos ainda da vida de Don Juan cafona das terras tropicais. Não lerá um livro, se é que um dia já leu algum, nem se interessará em fazer um exame de consciência, pois isso não lhe foi ensinado.

Resta-nos o consolo de saber que foi condenado por obra de um honesto homem negro de origem humilde, e esse pesadelo ainda não terminou.Está aberta a temporada de caça aos ratos..
Foi Joaquim Barbosa o relator desse imenso processo 470 chamado vulgarmente Mensalão. Homem pobre, nascido em Minas Gerais, Paraopebas, tem 58 anos e é filho de uma família pobre de negros descendentes dos escravos roubados em África. Ter esse homem, que entendeu que só pelo viés do estudo poderia melhorar sua condição e a de sua família, significa reconhecer tacitamente que um negro humilde tem sim condições de condenar e fazer cumprir pena um delinquente de colarinho branco, político corrupto, ladrão do dinheiro do povo.
O Brasil estava a precisar ver a ordem das coisas se alterar. A cadeia que, neste país é só para pobre, preto e puta, agora vai ter que embalar as noites de branco, porco e ladrão enriquecido ilicitamente. 
E os Partidos políticos, doravante terão que fazer uma bela faxina em seus quadros para que a democracia persista nesta terra brasilis, sem pendores a qualquer tipo de fascismo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

NADA SERÁ COMO ANTES

Só no Brasil acontecem coisas do tipo emendar uma quinta feira, feriado da República com a sexta, o sábado e o domingo e, como terça foi o dia da Consciência Negra, feriado em mais de 600 municípios, emendar também a segunda e a terça. Enfim, só nesta terra cabralina pode-se ficar uma semana inteira, em pleno mês de novembro, sem trabalhar, ou melhor, passeando ou mesmo coçando os escrotos no caso de quem os tem. E daí somos forçados a lembrar a língua afiada do falecido Marechal De Gaulle quando soltou esta pérola: “Il n’est pas un paìs serieux”. Os próprios brasileiros tem consciência de sua malemolência e de seu caráter festivo, mesmo em relação às coisas mais graves que acontecem. Lembram das piadas de mau gosto que nossa gente inventou quando aquele avião da TAM caiu atrás do aeroporto de Congonhas?

Um dos autores nacionais que eu curto bastante é o João Ubaldo Ribeiro, autor de uma alentada obra chamada “Viva o Povo Brasileiro”, onde retorna às origens da colonização de nossa terra, debochando dos nossos canibais que gostavam dos holandeses pois tinham a carne mais tenrinha que os portugueses e, depois, passa por uma saga familiar impressionante com direito a roubos, assassinatos, corrupção e uma infinidade de outros vícios mais, deixando o lado triste das coisas para os pobres, escravos e afins que, por sua vez tinham também sua malandragem bem desenvolvida para auto defesa dos grupos. Desta forma temos a sensação de que o Brasil é esse inferno tropical, um país cheio de maus costumes e de vagabundos.

Vagabundos, certamente os Brasileiros não são. O povo trabalha muito, enfrenta as desditas de um capitalismo selvagem e segue em frente, ficando feliz só em curtir uns feriadinhos a mais. E, na medida em que a população cresce, aumentam suas necessidades, pois as cidades em geral tem carência de infra estrutura urbana, de moradias, de creches, de preparo de mão de obra qualificada, de profissionais da saúde, de know how em pesquisas, de formação de cidadania, e por aí vai.

Agora, em plena época de julgamento dos réus do mensalão, quem quiser pode ver pela TV as cansativas sessões do Supremo Tribunal que tem um processo de mais de 50000 folhas, fora os apensos, onde estão registrados todos os depoimentos de acusados e testemunhas. Os ministros tem um desgaste que não é conhecido do povão. Estão lá eles preocupados com a corrupção nacional quando querem ver os times de futebol se preparando para uma inoportuna Copa do Mundo? Ora, não temos dinheiro para essas firulas, quanto mais para uma Olimpíada a seguir, e o mundo mergulha numa crise que vai se equiparar logo logo à de 1929. Na sombra da inconsciência popular, lá querem saber se o Marcos Valério pegou mais de 40 anos de cadeia e se o Zé Dirceu vai ficar um bom tempo vendo o sol nascer quadrado? Isso passa para o segundo plano.

O impeachment do Collor foi mais animado, carnavalesco mesmo. Um ano ele posava de Indiana Jones, dali a dois estava pintado na cara de todos estudantes o seu bota-fora. E as pessoas achavam que a corrupção parava por ali. Agora, vê-se que não. A oposição chegou ao poder precisando de reparos morais em seus quadros. Mas o julgamento do mensalão e outros que vem por aí, secundados por uma bela crise econômica, darão conta de operar o milagre. Desta vez, “nada será como antes”.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

SAUDADES DA INFÂNCIA

Quando eu era garota, morava com meus pais e irmãos numa linda chácara que ficava ao lado do Horto Florestal, em São Paulo. A moradia ficava num canto ao fundo. Espaçosa, tinha um jardim de inverno com deliciosas poltronas onde eu me jogava para ler. Mas o terreno da chácara era muito convidativo às brincadeiras infantis. Meu pai, vindo dos camponeses de Portugal, mantinha ali um pomar requintado e jardins muito enfeitados com arbustos recortados em topiaria fina. Ali era o meu jardim das delícias. Dava para brincar de bicicleta por todos os caminhos que meu pai fazia entre as plantas e ao longo da cerca viva de hibiscos, também cuidadosamente modelados. Entre tres imensos abacateiros, ele fez um tipo de estar com dois bancos confortáveis de cimento. Era o cenário ideal para meu irmão e eu brincarmos de circo, para minhas bonecas ganharem vida na casinha que eu improvisava.
Eu entrava na chácara por uma alameda bem cuidada cuja beirada fora feita em tijolos, limitando assim uma fileira de hortensias de cores variadas em ambos os lados. Havia buchinho recortado nas pontas, muito melindro. Cá e lá erguiam-se touceiras de giesta e em novembro, floresciam os jasmins. No fundo havia ainda um pomar com laranjas lima, lima da pérsia, muito caqui. Mas delicioso mesmo era o mes de novembro. Mais de uma dezena de jabuticabeiras que o meu avô plantara, ficavam com os troncos cobertos de jabuticabas muito docinhas, que nós comíamos no pé, colhiamos para fazer doces, geléias e licores, mas parecia que as frutas não acabavam mais. Então, meu pais abria o imenso portão da chácara e chamava os vizinhos para virem colher frutas e aproveitar a safra.
E havia também, bem perto do jardim de inverno, duas oliveiras. Uma velhísima e outra mais nova. Estas eram podadas na véspera do Dia de Ramos, e os galhos ficavam no chão para que cada vizinho pegasse os seus Ramos e levasse à missa no dia seguinte. Vivi neste Éden até os 16 anos, quando, mesmo sem Caim ter matado Abel, meu pai teve tres enfartes e fomos expulsos do paraiso. Que tristeza encarar o mundo de fora, a moradia com barulho que perturbava o sono, a insegurança pela saúde claudicante do paí e pela necessidade de trabalhar para haver comida sobre a mesa. Trabalhar não era mau, eu já o fazia desde os 14 anos, mas a insegurança que se abateu sobre mim foi tão grande que eu acordava muitas vezes chorando de medo, mesmo tendo meu paizinho a dormitar a poucos metros de mim. E ele , apesar dos enfartes, sobreviveu até os 91 anos. A mais linda lembrança que tenho dele foi de sentar na beira da poltrona onde ele lia jornal, e apontar com meus dedinhos minúsculos as letrinhas perguntando o que queriam dizer. Assim aprendi a ler. E, com a doença dele, mais tarde, aprendi a ser gente grande.

REPÚBLICA E CONSCIÊNCIA NEGRA

Quando a Princesa Isabel, regente do trono Brasileiro no lugar de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, assinou a Lei Áurea que proibia a partir de 13 de maio de 1888 todo e qualquer tipo de escravidão negra no Brasil, uma das autoridades presentes no momento disse-lhe cortesmente: Vossa Majestade redimiu uma raça mas perdeu o seu trono! Foi assim que eu aprendi na escola desde o curso primário, e para mim tudo não passava de uma questão abstrata pois, sendo filha de imigrantes e morando no Horto Florestal, tinha na minha escola uma variedade de colegas com todos os tipos de cor de pele. Na hora do recreio brincávamos juntos e normalmente eu voltava para casa com uma coleguinha um pouco mais velha chamada Maria da Penha que era negra com os dentes brancos mais bonitos que já conheci. Mais tarde, quando meus pais me mandaram para o Colégio das Freiras, não havia nenhuma colega negra e, mesmo entre as brancas, não era com todas que eu podia brincar. As laristas, por exemplo, sentavam nas últimas carteiras e eram impedidas de nos dirigir palavras, pois estudavam naquela escola por “caridade” das irmãs e pertenciam a outra extração social.

Na verdade, a República aconteceu pelo desgaste natural da monarquia e pelos avanços do positivismo. Os grandes senhores de terra vinham a tempo buscando imigrantes europeus para suprir suas lavouras, e os negros acabaram marginalizados como qualquer gente branca miserável que andasse por aí. Então, esta passagem institucional do Império à República pouco alterou na doença que já havia no Brasil de então: a desigualdade social ultrajante entre as pessoas mais abonadas e os pobres.

Durante o século XX a miscigenação fez pelo povo um arco-iris de biótipos, de modo que nos dias de hoje, fica mais difícil encontrar um negro realmente negro ou um branco completamente branco. O Brasil não conheceu o Apartheid da África do Sul nem teve que se confrontar com as guerras tribais que a África enfrentou em virtude da descolonização. No entanto, nesta miríade de cores de pele do povo brasileiro, ainda é verdade que os tons mais claros de pele estão no alto da pirâmide social, e a morenice vai se acentuando na medida que a base da pirâmide se alarga.

Então, em tempos politicamente corretos, o governo Brasileiro resolveu que havia uma dívida para com os afro-descendentes. E a República Brasileira, com o escopo de tentar a redenção, criou o dia da Consciência Negra, tendo como continuidade o regime de cotas nas Universidades e a criminalização do preconceito racial. Fico profundamente incomodada com o caráter cínico das coisas políticamente corretas, uma vez que o acesso à universidade é negado não aos mais negros, e sim aos que estudaram em escolas públicas onde se perdeu todo o pudor de ensinar e respeitar. Um dos meus alunos mais brilhantes era afro-descendente, seguiu meu rumo de Estudos Medievais e doutorou-se com brilho na USP. Hoje, o José Rivair é professor da UFRGS. Como ele, tem o Ramatis Jacino, pós graduado pela USP quando já estava formando filhos em Universidade. Posso citar muitos mais, hoje homenageio a todos através de ambos. Foi a garra que fez deles os gênios que são. Ambos tem compromisso com a justiça social, não aquela do maniqueísmo medíocre, mas aquela que só gente do Trabalho consegue ter. A da luta de classes!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O HOMEM NU

Um livro de Fernando Sabino com o nome acima, foi levado às telas com o excelente Claudio Marzo como protagonista. A trama coloca o artista em dificuldades quando, ao pegar o jornal da manhã em seu apartamento, a porta bate atrás de si, deixando-o exposto como veio ao mundo. A partir daí, o pobre homem passa pelas mais bizarras aventuras. É uma engrenagem de imaginação fabulosa, mas resta deste mote artístico uma realidade avassaladora: “Deus fez os homens nus; os homens criaram a vergonha”. É claro que esse dito popular se aplica à civilização judaico-cristã e a povos outros do Oriente, e talvez o grande mote tenha se originado da real necessidade que temos de nós vestir para proteger o corpo contra o frio, o sol e outros perigos mais.

De qualquer forma, essa população super-sexualizada dos dias de hoje, numa cara de pau que dá engulhos, não suporta ver ou conviver numa cidade mediana onde não haja praia, com homens de sungas, cuecas; tampouco, não concebe a liberdade de ver uma encalorada senhora de soutien se abanando por aí. Tudo falso pudor. Não é mistério que nos banheiros masculinos os homens evitam olhar o companheiro de mictório, afinal isso poderia sugerir uma comparação com o tamanho dos seus “passarinhos”. Entre si, no entanto, arrotam e emitem flatos com enormes gargalhadas. As mulheres são diferentes. Freud disse que elas invejavam os homens pois não podiam urinar de pé, tamanha a falta do membro masculino. Freud sabia bem pouco de história pelo modo de concluir. Na época dos vestidões com arames e outros tecidos por baixo, como ele pensa que elas faziam pipi? No Louvre, por exemplo, paravam num canto da escadaria de mármore e deixavam vir perna abaixo seus fluidos urinários, para depois então seguir seu caminho. Inveja? Para que?

Semana passada, um senhor foi ao banco nesta augusta cidade colonial, e eis que foi barrado pela porta eletrônica. Colocou tudo o que tinha na caixa, mas a porta insistia em barrar-lhe a passagem. Então ele não se fez de rogado. Tirou a camisa e baixou a calça. Realmente não havia nada para que não pudesse entrar no banco.

Como em seguida estivéssemos preocupados em espantar o Serra a vassouradas de São Paulo, ficamos mais focados na eleição da cidade vizinha. Tendo nosso candidato vencido o pleito, voltei a lembrar-me da patética foto do homem de cuecas na porta do banco e, aqui estou para hipotecar a ele minha solidariedade.

Lá pelo ano 2000, fui a meu banco comprar dólares pois estava de partida para os EUA. Meu banco é ótimo, resolvo quase tudo da vida com minha maravilhosa gerente, mas naquele tempo não era assim. Eu estava acompanhada de meu marido e comportadamente coloquei chaves, celular, canetas etc na caixinha da entrada. Mas a porta giratória barrou-me também. O segurança, muito sádico e grosso mandou-me sair da porta e revistar meus pertences. Nada havia, ele estava zoando com minha cara. Tentei novamente e a porta tornou a bloquear. Então não tive dúvidas. Joguei a bolsa ao chão, tirei a blusa e mostrei ao fiel guardião do dinheiro que eu tinha apenas um lindo soutien de renda. O homem botou as mãos no rosto. Um outro segurança quis tirar-me de lá, mas meu marido disse: Não. Ela fica. E eu completei que só sairia da porta quando o gerente viesse me buscar. A essa altura, havia uma rebelião tanto dentro quanto fora do banco. As pessoas gritavam dizendo que se sentiam humilhadas como se fossem ladras, e então o sub gerente veio. Peguei as roupas e entrei no banco. Olhei o Sub e perguntei: Onde é que se compra dólares nesta M...? E ele mansinho me indicou o caixa. No dia seguinte, o gerente ligou para minha casa. Alegou motivos de segurança, tentou defender os cães de guarda da porta e pediu mil desculpas. Enquanto ele falava comigo, acontecia o improvável: Os ladrões entraram na outra agência pela porta dos fundos e fizeram a festa da semana.Conclusão: Seguranças e lingerie bonita são dois elementos que não se combinam.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

E AGORA JOSÉ ?

José, magro moço com perfil incendiário, ia às passeatas de universitários contra a ditadura, subia no teto dos carros e proferia discursos para animar a nós, estudantes irados contra a ordem constitucional conspurcada no Brasil. Eu lembro bem, José, eu estava lá manifestando meu todo e qualquer repudio à ditadura. Sei bem o que significa isso, o domínio de um grupo sobre a massa popular, sem deixar aos pacatos cidadãos brasileiros o direito de eleger seu governo, de ser inocente até que a justiça provasse em contrário. Direito. Estado de direito! Era tudo o que nós queríamos quando aos milhares saiamos às ruas para sermos dissolvidos a força, com a cavalaria vindo bravia contra nós. Pois perdemos essa luta vã. Até as Senhoras de Santana, achando que éramos depravados e contra Deus, fizeram marchas contra nós e nos reduziram a quase pó.

Eu disse a “quase pó” uma vez que vários de nós continuamos reagindo, então agora já fora das Universidades. E você, José, acabou preso. Preso sem lei e sem rei. Prisioneiro de um Estado que queria ter a prerrogativa de decidir sobre todos nós. Enquanto isso, desenvolvia-se uma categoria nova de políticos que, à margem dos embates da legalidade, enriqueceu muito. Assim, depois que os ditadores viram o tamanho da massa falida, eles deram uma de generosos e “reabriram” a democracia, não sem antes decretar a Anistia ampla, total e irrestrita a todos – torturados e torturadores- enfim, ambos os campos da contenda deviam se abraçar como crianças depois de uma briga infantil na sala de casa.

Só, que entre o início e o fim da briga se passaram décadas. Muita gente morreu, até hoje seus corpos não foram encontrados. E ficamos nós, aqui, qual mães da Praça de Mayo a chorar nossos mortos sem sepultura. Ai, Deus! Será que chove sobre eles? Quando cai uma tempestade elétrica, encolho-me miúda e temerosa pensando nos companheiros debaixo das águas torrenciais, com frio, sem quem lhes possa dar uma flor sequer.

E você, José? Um grande líder que deixava de nos animar para a luta, agora encaixotado numa prisão qualquer... Não. Isso não podia ser. Por isso, alguns de nós montamos o audacioso plano de seqüestrar o embaixador dos Estados Unidos e permutar sua liberdade pela liberdade de quinze prisioneiros, o primeiro dos quais, você, José. Desta forma, partiu para Cuba e lá era um preguiçoso, não trabalhava nos mutirões das casas populares, enfim, mostrou seu lado aproveitador e vagabundo. Sim, sentia que viera ao mundo para as grandes chefias.

Por volta de um mês de sua libertação, morreu na tortura um dos que lhe ajudaram a libertar. Quer refrescar a lembrança? Era operário, chamava-se Virgílio Gomes da Silva. Eu sei pois também estava lá, sofrendo nas mãos dos torturadores e vendo os companheiros cheios de machucaduras infernais. E depois você voltou ao Brasil. Fez plástica para não ser reconhecido, encastelou-se e deixou que outros morressem por você. Anos depois, voltou a ordem institucional. E José acoplou-se aos líderes para consubstanciar os planos de uma ditadura de esquerda. Pode? Mas alguém denunciou, e a Suprema Corte, que antes pudera lhe festejar o retorno, compreendeu seus nefastos propósitos. Veredicto: Condenado, levando consigo uma caterva de podres diabos. E agora, José? Eu continuo a lutar contra qualquer ditadura. E você?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

RESSACA

Esta semana, pós eleições, e ainda durante o julgamento do Mensalão, quero creditar aqui todo o meu nojo pelos jogos políticos que tenho observado, tanto no âmbito nacional como no regional. Deixo de princípio muito claro que não estou pondo em questão Partidos Políticos, mas pessoas e atitudes.

Vou começar pela questão das eleições municipais. Mogi das Cruzes deu seu voto ao atual prefeito, mas é preciso que fique claro: ele se reelegeu com 61% dos votos, e não com 80%, como se propagou. Isso significa que o atual Prefeito não é unanimidade. Outros candidatos também foram votados, e a soma de seus votos é significativa para entendermos que daqui a quatro anos, novas lideranças aparecerão e, creiam os leitores, será difícil ao atual prefeito manter a curva ascendente que construiu a partir da continuidade dos projetos de Junji Abe.

Um dado notável nesta eleição, foi o número de abstenções e anulações de votos. Não lhes parece isso uma modalidade de protesto contra o Sistema em crise? 57.000 pessoas negaram-se a ir às urnas ou anularam seus votos. Isso significa que quase um quinto dos eleitores estão de “saco cheio” dessas campanhas inglórias e do caciquismo que ainda impera em nosso meio.

Os votos de vereadores confirmam essa maldita profissionalização da política. Se o Brasil fizesse uma reforma séria no campo eleitoral, tiraria dos vereadores também o direito à reeleição. Além disso, seu trabalho devia ser voluntário, não assalariado, forçando cada candidato a ter uma profissão compatível com a vida que leva. Entre os eleitos, o mais votado foi o filho de Junji Abe. Fiquei triste, pois não me ocorreu que um candidato possa embarcar no sucesso do seu pai. Essa ocorrência levou-me à clara lembrança de que, os meus filhos seguiram a minha profissão, mas isso implicou em meu desligamento do sistema de vestibulares, bem como não posso fazer parte de qualquer defesa de tese ou concurso público a que se submetam.

A segunda mais votada foi Karina Perillo, conhecida como Karina do Adote Já, que, uma vez eleita, teve o descaramento de dizer que vai exercer seu mandato para os animais. Por mais gratos que os animais lhes sejam, é bom não esquecer que o problema dos animais é definido nas áreas estaduais e federais, tendo o município um setor de zoonoses para cuidar cientificamente do bem e do mal que a proliferação das diversas espécies significam à sociedade. Depois desta inteligência rara, vem os demais: a maioria cartas marcadas num jogo nefasto de poder, ou então, para ser menos corrosiva, figuras que buscam luzes pelo corte superior da pirâmide da casa do legislativo.

Assim, alguns bons candidatos ficaram de fora enquanto certos abutres conseguiram se eleger.

Há mais uma coisa que quero dizer sobre o escaldante dia das eleições: Quem deu a esses senhores o direito de emporcalhar a cidade da forma que o fizeram? Pessoas caiam no meio dos santinhos, os pés queimavam no papel fervente. E a limpeza? Cabe ao poder público, ou seja, eu, que não joguei um único papel no chão, estou pagando esta limpeza com o dinheiro que pago dos impostos.

Mas tudo tem sua hora e sua vez. O Supremo Tribunal Federal por maioria considerou culpados os réus do Mensalão. Isso é bom. Quando a banda podre dos partidos vai em cana, é possível suspirar um ar mais limpo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ELEIÇÕES? VALHA-NOS DEUS



Irei votar só porque sou obrigada. Penso que o voto compulsório é absolutamente contra a liberdade pessoal de se abster, pelo menos nesse sistema que aí está. Não gosto de participar desta “festa da democracia” mesmo porque nada vejo de festivo num ato que acaba dando no que deu o processo do famoso mensalão. Ontem, ao fim da tarde, eu que acompanhei todas as sessões do Supremo Tribunal Federal, vi um Deputado Federal da cidade, que teve por aqui mais de dez mil votos, ser condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Me parece desalentador que essa condenação “unânime”, diga-se de passagem, seja também uma condenação aos dez mil mogianos que votaram no cidadão. Será que não sabiam antes, pelo histórico do moço, que ele já devia estar na cadeia a muito tempo? Assim, não vejo que eleições possam ser uma festa. Ao contrário, são momentos que deveriam exigir muito equilíbrio para evitar vergonhas como essa que passamos nos últimos dias.

Gosto da Dilma; isso não me faz gostar de seu antecessor no Planalto. Como podem perceber, não é uma questão de partidos políticos. É mais uma questão de pessoas. Alguns políticos de determinadas agremiações são corruptos; outros não. Então, não me sinto à vontade para falar de partidos, pois, o povo não conhece a cartilha programática dos partidos e, menos ainda, quais as funções dos eleitos.

Daí, termos outra vergonha. Viram há duas semanas o encarte que o Mogi News publicou sobre as ações dos vereadores da cidade? Foi o mapa da inépcia, do uso do cargo público para lustrar o ego de algumas pessoas, enfim, de aproveitável, quase nada.

Dentro deste sistema compulsório de eleições, todos deveriam saber que os eleitos não passam de pessoas – tipo funcionários – que são serviçais da comunidade. Assim, o trabalho tem que ter um retorno condizente com o salário que recebem. Então, o Prefeito é o gerente de execução de obras e os vereadores são os proponentes e debatedores de tais obras. Eles recebem salários vindos de nossos impostos, e a cidade recebe verbas vindas dos recolhimentos estaduais e federais. Daí, é fácil concluir que compete aos dirigentes municipais apenas propor e debater as prioridades do município. Não é isso que temos visto. A cidade aumentou muito e, com ela, suas carências.Assim, estamos agora num período de exame de consciência.

Da lista de candidatos a vereador, vi uns poucos nomes respeitáveis, cuja história conheço bem. Um deles será agraciado com os votos da minha família e amigos, o que não nos autoriza a pedir absolutamente nada em troca. Basta-nos que cumpra sua função, se eleito.

Agora um aparte. Porque sou contra o voto obrigatório? Sou contra pois a forma de eleições não expressa a necessidade popular. Acredito que as comunidades, os bairros, as circunscrições deviam se reunir e debater seus problemas e suas urgências. Depois disso, tanto quanto possível, deveriam se auto-gerir. Isto é, sou socialista-autonomista. Assim como detesto ditaduras de minorias, detesto também ditaduras de maiorias burras. E, como a crise econômica mundial está pintando por aí, tenho uma intuição solene de que o Sistema estará na berlinda mais cedo do que se pensa. Vai ser bom plantar comida no fundo do quintal. E também aprender qual é o espírito que norteia a Defesa Civil.

QUANDO SERÁ QUE O BRASIL VAI LIVRAR-SE DAS AVES DE RAPINA QUE INFESTAM A POLÍTICA NACIONAL? QUANDO O ESTADO BRASILEIRO VAI PARAR DE ROUBAR-ME COMO CIDADÃ? PARA SER VÍTIMA, NÃO PRECISO VOTAR. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

MAIS UMA GRANDE PAIXÃO

Nestas últimas semanas fiquei apaixonada. Ao vê-lo, meu coração se encantou. E ele, lindo, sério, de quando em vez levanta e senta. Sentado, estica as pernas num pequeno banco. De pé, cruza os braços no espaldar da cadeira e faz seus movimentos de maneira tão natural que parece mesmo estar sentado em minha sala de visitas. Ele deve ter aproximadamente a minha idade, usa óculos, tem a pele negra como a dos Africanos que aqui chegaram um dia, fala vários idiomas diferentes, e porta com garbo a toga de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Pois bem, o alvo desta paixão é o Senhor Doutor Joaquim Barbosa, relator do Processo do chamado Mensalão.

Nada lhe falta. Tem uma capacidade de articulação de um historiador experiente, capaz de cruzar milhares de dados e, concluir pelo menos em parte o quadro sinistro da corrupção em nosso país. Ele senta e levanta durante a leitura das conclusões, pois tem um severo problema de coluna, mas isso não é suficiente para afastá-lo da tarefa mais nobre que lhe foi delegada: separar o joio do trigo nas altas esferas do governo.

A corrupção política deste país, nasceu com ele. Desde os dados escamoteados sobre a descoberta até os desvios de pagamento de impostos, desde o sumiço deslavado do nosso ouro até o uso dos diamantes, o Brasil jamais conheceu uma única fase sem corrupção. Há quem sustente que não ocorriam atos desta natureza durante a ditadura militar. Mentira cabeluda. A Ponte Rio-Niteroi enriqueceu ministros e empreiteiras; as hidroelétricas, idem. Nos dias de hoje, o que vemos são as mesmas empreiteiras fazendo obras para o governo, mas duvido que tenham mudado seu modo de agir. Pelo contrário, fizeram escola e ensinaram a lição do roubo do dinheiro público a muitos outros. E, quando veio a abertura política, o cérebro do cidadão comum havia sido lavado de todo e qualquer espírito crítico. Pior, havia se popularizado a famosa Lei de Gerson, “aquele que gosta de levar vantagem em tudo”. Péssimo celeiro humano para se trabalhar a educação e a civilidade. O ensino caiu o nível a patamares infernais, bem como infernais se tornaram as salas de aula.

Houve um empobrecimento vocabular que tornou a escrita e a leitura em duas entidades difíceis de conquistar. Os símbolos foram impostos para reconhecimento das coisas e lugares, enfim, a linguagem ficou restrita a uma parcela pequena da população, a qual não consegue mesmo ler uma bula de remédio e prefere os filmes dublados aos legendados pois não tem a rapidez de ler as traduções convencionais. Num ato de populismo criaram regime de cotas para gente oriunda do ensino público e afro-descendentes. Antigamente, eu lembro bem, o ensino público era celeiro de bons intelectos. Depois, com a chamada democratização do ensino, prostituiram a profundidade da formação de mestres e alunos, então as entidades particulares passaram a albergar os que precisavam de uma base escolar melhor.

Está aí a minha mais nova paixão para provar os equívocos. Ele é negro e sábio. Para assistir suas leituras fico horas hipnotizada frente ao Canal 6. E ali, à vista de toda a gente interessada, ele condena os gangsters deste país, sendo seguido pelos demais ministros com pequeninas alterações de juízo.

É esse Brasil novo que eu quero para mim. Se não, pelo menos para os meus filhos e netos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DE VOLTA ÀS ORIGENS

 Desde que Eva comeu a maçã e fez Adão cooptar com seu pecado, todas, inclusive eu, fomos destinadas a sangrar todo mês e a parir nossos filhos com dor. Mas a cosmogonia judaico-cristã não deixou bem claro quem deveria tutelar nossa inteligência. Isso porque talvez estivesse implícito nas escrituras que o homem era sempre o detentor do saber. Mas eu queria as mesmas armas dos machos da espécie. Também mordi da maçã e senti seu gosto maravilhoso.E, daí por diante, minha cabeça passou a aprender coisas direcionadas por incríveis demônios tutelares.

Tive vários demônios tutelares. O mais incrível deles foi um professor da faculdade que possuía uma especial aversão às normas de funcionamento da instituição. Ele chamava-se Pedro Moacyr Campos, e posso dizer sem medo que ele foi um dos demônios tutelares mais fortes sobre a minha cabeça, ou seja, ensinou-me a pensar de verdade. É claro que antes deles alguns homens já haviam me dito coisas importantes: para um namorado que tive no primeiro ano da faculdade, eu só seria uma mulher de verdade quando tivesse lido Marx direito. Confesso que, por aqueles anos eu li apenas o Manifesto Comunista, as Teses contra Feuerbach, além de uns excertos do Capital, permanecendo incompleta. Por outro lado, meu pai me dizia que eu só seria uma mulher completa quando fosse mãe. Fui mãe três vezes, mas dos benditos frutos do meu ventre, um morreu e os outros adquiriram estrela própria. Agora, voltando ao Pedro Moacyr, ele não tinha nenhuma destas verdades prontas e absurdas.

Era um homem baixo que tinha uma risada avassaladora. Gostei dele e ele de mim. Nossa turma era dividida: Havia os que o temiam pelas críticas terríveis, e havia os que viam nisso a altura do seu saber. Entre as críticas mordazes, vi uma que foi definitiva para a vida de uma moça: era uma japonesa linda, que no seminário só falou bobagens. Ele então olhou para ela e limitou-se a dizer:”Que pena. E é tão bonita!”. A moça abandonou a faculdade e fez um casamento com homem próspero.

Tinha sido amigo pessoal de Hermann Hesse, havia lecionado no Japão e na Alemanha, tinha uma postura absolutamente existencial frente à vida e, me conclamava a ler Mishima, Hesse e outros. Quando conclui o curso, resolvi fazer pós graduação tendo-o como orientador. Porém naquele mesmo ano de 1969, comecei a ter uma série de problemas políticos, e até 1973 fui presa várias vezes. E ele me protegeu o quanto pode.

Pedro tinha uma idéia fixa na cabeça. Dizia que, “quando sua curva de decadência pessoal se iniciasse, ele poria fim à vida”. Achávamos que era um mero jogo de cena. Algum tempo depois, seu filho único faleceu. Fui à missa de sétimo dia e ele estava lá, imperturbável. Ao me ver, pegou-me pela mão e disse: Vamos fugir daqui que eu não suporto essas conversas com o deus numero um. Saí com ele. Olhou-me frontalmente e disse: “ Estou quites com a poluição demográfica”...Retorqui: “De modo algum. E o que você deixa para mim e meus colegas? Então, é um homem que só acredita na continuidade do plasma germinativo?”... e ele sério, respondeu: “Vira essa boca para lá!”.

Pois foi assim. Em 1977, aos 57 anos de idade, por princípio, ingeriu uma capsula de cianureto.E quanto a mim, devo a ele minha total abertura à erudição. Sou medievalista, como ele foi, e a mim, todas as portas se abrem.

Observação: Por conta das prisões políticas e mudança de orientador após a morte de Pedro, defendi meu doutorado em 15 de maio de 1985, na Universidade de São Paulo, e depois fui, por concurso de Provas e Títulos, Professora e orientadora de História Medieval na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Meus discípulos, portanto, são netos do Pedro Moacyr Campos, meu querido demônio tutelar.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

DE VOLTA A SÃO PAULO



Eu tinha uma consulta marcada no Hospital A.C.Camargo para fazer a revisão de um câncer de pele que retirei do alto do nariz numa cirurgia muito feliz. Era apenas um carcinoma basocelular, sem maiores implicações, mas isso culminou com a retirada de um bife de 7 centímetros de comprimento por um centímetro de largura, uma sutura tão bem feita que nem lembro mais que tive este câncer. Ir ao A.C.Camargo é para mim um imenso prazer. O hospital está super organizado, nem lembra aquele que conheci a vinte anos atrás. Na verdade, virou Instituto de Pesquisa.

Depois, fiz um passeio à Livraria Cultura do Conjunto Nacional para pescar alguma leitura mais. Em seguida, fui para a casa da minha amiga- irmã Ignez, viúva do meu querido orientador de doutorado. Ela tem um belíssimo apartamento no mesmo prédio em que mora o recém-casado Pelé, mas uma massa de edifícios cobre a visão do Masp, o museu dos encantos, tão bom é o seu acervo. E cada vez que fico aqui, sofro da nostalgia do paraíso perdido, pois moro em Mogi das Cruzes há 38 anos e gostaria que neste tempo, a nossa interiorana cidade tivesse mais ganhos em vida cidadã.

Eu não queria o Pelé morando na velha Mogi pois nada acrescentaria. Mas, cá entre nós, uma livraria como a Cultura, mesmo sem as proporções descomunais, mas com um acervo decente, seria um regalo. Gostaria também de um museu competente. Tenho certeza que ele custaria bem menos que a duplicação da estrada do Mar, para atender as filas inacabáveis de gente que quer lavar o trazeiro nas águas salgadas para depois voltar correndo ao trabalho.

São Paulo tem vida pulsando o tempo todo. Há pontos de encontro para todos os bolsos e todas as intenções. E a nossa velha Mogi, a que se restringiu? A acabar com os lugares onde a juventude com menos dinheiro possa se reunir para os seus debates sobre a realidade do país, a grandeza de um cineasta, enfim, bares para cabeças, sem som alto e sem os apelos de futuros encontros de namorados. Sinto em Mogi esta falta. O centro histórico que bem se prestaria a esse tipo de boêmia e revolução, virou um lugar morto na noite, e os jovens mais papo cabeça, não tem onde se encontrar. Parece que ficou fora de moda dialogar em público. Ou então, há uma paranoia que leva as autoridades a temer que dessas discussões boêmias apareça algum espírito crítico e que a ordem possa ser subvertida.

Então, ficamos assim: artistas, escritores, leitores, intelectuais, pessoas que gostam de reciclar o saber e as opiniões, estes não tem um lugar para se reunir, pois os points se deslocaram para a cidade alta onde estão à altura dos sons que produzem. Lá as loiras (burras ou não) paqueram rapazes sarados (tontos ou não), conforme a batida do som tonitruante.

Falar em cinema em Mogi é quase uma piada de mau gosto. Filmes para a criançada e os mais sérios em sessões únicas, somente à noite. É por isso que eu gosto de São Paulo. Tem tudo para todos os gostos. Esta megalópolis parece difícil, mas onde mais se poderia encontrar o Zubin Metha que reuniu os três Tenores? Onde uma Sala São Paulo ou um teatro Municipal digno? Não peço tanto a Mogi, mas sua arrecadação dá seguramente para construir e manter um centro cultural que seja o ponto de encontro daqueles que tem a cabeça tão inquieta quanto a minha.

Mogi das Cruzes tem aproximadamente 400.000 habitantes.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

INDEPENDÊNCIA OU MORTE

Amanhã tem feriado nacional. Dia da Pátria, comemora o 7 de Setembro de 1822, data em que D. Pedro proclamou a independência de nossa terra com o grito do Ipiranga. Soberbo, o próprio imperador sentou-se à pianola e compôs o Hino da Independência, seja lá o que se entende por independência nesta terra. Ah, é verdade, separamo-nos de Portugal, da metrópole sequiosa de nossos recursos econômicos, e depois, entregamos esses mesmos recursos aos ingleses que cobraram caro o reconhecimento desta nova nação. Aqui houve resistência lusitana, mas das guerras de independência, o Brasil safou-se bem. Uns poucos mortos, outros tantos feridos. Não podemos esquecer aqueles que, mesmo após o grito de D.Pedro, continuavam escravos sem direito à própria liberdade. E o Imperador, não podia descontentar a aristocracia da terra, pois mão de obra era fundamental para o “progresso” da vida do país. E assim foi. Os negros continuaram tingindo nosso solo de sangue durante mais 66 anos, até que a neta do Imperador assinasse a abolição da escravatura. Então, que raio de independência foi esta? Independência que mata, que humilha, que degrada, e, pior, que vai pouco a pouco delegando os bens nacionais a estrangeiros, como os vizinhos do norte, da terra do Tio Sam? Para falar a verdade, abolida a escravidão, não foram abolidos os traços de exploração sobre o Brasil. E assim continuou ele, República em diante. De lá para cá, quanto estrangeiro não teria espoliado nossas terras de suas riquezas? E os governos, constituídos na base do coronelismo, enxada e voto, também não deixaram nossa terra dormir na miséria durante muitos anos? Quanto tempo não teria levado para que os Afro-descendentes requeressem um pingo de justiça pelo que seus ancestrais sofreram nas mãos dos senhores de lavras e engenhos? Parece-me que ainda não foi possível resgatar essas dívidas todas.

Porém, do lado de lá do Atlântico, Portugal tinha mais colônias. Tinha Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe na África, sem falar no Timor Leste e outras terrinhas mais. No início do século XX, ao abolir a monarquia portuguesa, o governo foi parar numa ditadura fascista que jogou o povo português numa repressão sem medidas. Criou-se uma polícia política, a PIDE, que não hesitava em caçar torturar e exterminar opositores ao governo Salazarista. Deixaram a Portugal uma última alternativa, a de se apegar ao catolicismo, então reforçado com os aparecimentos de Fátima, em 1917. Visitei uma das prisões de Salazar. Construída com pedras à beira mar, levava os prisioneiros à morte, pois na subida da maré, as ondas batiam nos paredões tornando o ambiente insalubre. E havia pessoas que diziam ser aquela uma ditadurazinha honesta... Ao correr do século XX, as colônias da África puseram-se a rebelar. Terras inóspitas, viraram cenário de guerrilha rural, e depois,lugares de lutas tribais.

Quando Salazar morreu, foi substituído por Marcelo Caetano, que seguia a mesma linha de governo. Num certo momento, em 1974, os próprios portugueses não aceitaram mais tal contingência e, com a Revolução dos Cravos, as colônias africanas foram também se libertando. Com duras lutas, agora já crescem e podem dizer ao mundo quem são.E Marcelo Caetano, morreu no exílio, no Rio de Janeiro.Assim, os fantasmas se divertem.

                                          Gabinete Real de Leitura Português, no Rio de Janeiro.
                                               local onde foi velado o ditador Marcelo Caetano


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

ANIVERSÁRIO DA CIDADE - MOGI DAS CRUZES

Perdoem-me os leitores, mas interrompo por uma semana os artigos sobre autores Africanos, pois temos neste sábado um feriado que merece nossa atenção. Tem 401 anos que Mogi das Cruzes foi sacramentada pelo poder Colonial. Este fato, para qualquer historiador de verdade, pode parecer banal, uma vez que, cotejado com os dados de análise arqueológica, apontam cerâmicas de contato entre índios e brancos exatamente por volta de 1610. Que houvesse antes gente na região, isso parece óbvio, pois há milhares de anos essa região era habitação ou passagem de indígenas. Assim, recuso a bobeira de que Mogi é quase tão velha quanto São Paulo, tem 450 anos e por aí vai. Nada disso. Sua certidão de nascimento é o Foral de 1611.

Sábado, é feriado em Mogi das Cruzes, mas, vale dizer que ele só tem sentido quando produz nas pessoas uma reflexão sobre o seu significado, e mais, quando as crianças tem acesso a esse conhecimento de maneira respeitosa, pois respeita-se nesse aniversário o que os antigos fizeram pela região. Isto quer dizer que temos o compromisso de ensinar aos outros que “somos anõezinhos no ombro de gigantes”, se levarmos em conta tudo o que se produziu por aqui nesses 401 anos de História do encontro multi-étnico.

Esta cidade desenvolvida inicialmente em formato cruciforme, apenas refletia ser produto do catolicismo mais fanático que havia na Europa: o de Portugal e o da Espanha. É bom que não se esqueçam os mogianos que, em 1611, Portugal e Espanha estavam unificados pois a morte de D. Sebastião, sem herdeiros, jogou Portugal de volta à Espanha dos Habsburgos, e assim ficaria até 1640. Os colonizadores tinham sobre suas cabeças o corpus legal das Ordenações Filipinas, e assim continuaram durante mais tempo do que Espanha dominou Portugal. A cidade era uma cruz. Do Largo do Rosário ao alto do Campo Santo, e da Igreja do Bom Jesus até a capela que ficava onde hoje é o Mogi D’Or, o traçado forma a cruz, em cujo miolo ficavam a catedral e o Carmo. Tente ver em fotos aéreas: A Paulo Frontin segue até ser interrompida pelos principais edifícios históricos,e prossegue pela Otto Unger. Esta reta, é cortada pela Dr Correia, formando assim a cruz em torno de cujos braços a cidade se desenvolveria.

Mas, nas últimas décadas, o ambiente citadino cresceu muito. A população ficou imensa, trazendo aos poderes públicos uma gama de necessidades novas que carecem de verbas e muito empenho. Vim para cá há 38 anos. Minha primeira visita à cidade foi desalentadora. Cidade feia, pensei. Sem saber onde comer algo, eu e meu marido paramos numa lanchonete chamada Pla-Pla, em frente à Praça Oswaldo Cruz. Lá comemos um hamburger “moscatel”, isto é, havia mais moscas no molho do que pode supor nossa higiene. Caramba, dissemos um ao outro, é aqui que vamos morar? Pois ficamos. E, em 38 anos, fomos vendo as coisas acontecerem. E a cidade não se movia apenas por conta do poder público. Tinha uma dinâmica própria, a sociedade aumentava e queria mais, muito mais. Esta é a parte mais importante. Renovam-se os pensamentos, o urbano se modifica. Temos capacidade de, por esforço nosso, melhorar muito mais a cidade em que criamos os nossos filhos. Sinto-me absolutamente identificada com o autonomismo. Vi a cidade ficar melhor, mesmo assim, aquém do que devia.
À Saúde e prosperidade do povo desta cidade, que merece respeito mas deve ter sempre os olhos bem abertos. Cada cidadão tem sua cota parte de colaboração para que a vida local siga harmônica.



quarta-feira, 22 de agosto de 2012

UM POUCO DE ALEGRIA





O Belo dispersa emoções negativas. Pelos olhos, e sem palavras, podemos alcançar uma delicada felicidade. Estas são as nossas pequenas aves. Atentem para o Beija-flor. Ele pesa apenas 15 gramas mas é o maior encanto dos nossos jardins. Eles gostam muito das flores de grevílea arbustiva. A CRIAÇÃO foi um ato poderoso de AMOR ...

O OUTRO LADO DO ESPELHO - I I

Comecei a falar dos escritores africanos por Pepetela, um Angolano do tempo do MPLA, hoje um professor universitário em Luanda, aos 71 anos de idade. Sua obra me parece impactante pois dá conta da História de Angola desde a colonização portuguesa até as lutas da independência. Ora, conseguida a libertação de Angola, os próprios participantes desta luta desentenderam-se quanto ao poder. Então, vieram para dentro deste país africano, tanto os soviéticos como os cubanos, para tentar auxiliar na implantação de um estado socialista.

Olhando para trás, vejo um povo sofrido. Os tribais, até o século XIX sujeitos ao tráfico da escravidão, ao desmanche das famílias, aos poderes coloniais e imperiais que os torturavam em terras como o Brasil, sofrimento do qual até hoje não se recuperaram os descendentes. É triste, por ex. ver o pelourinho na Bahia, com suas pedras assentadas as custas do sangue e do suor destes negros; não bastasse isso, ainda os senhores impuseram seus ritos católicos a povos que tinham religiões animistas, de forma que nas noites da senzala os batuques eram o que sobrava do que tinham de uma cultura roubada, espoliada pelos dominadores. Torturas sofisticadas com objetos crudelíssimos, mas na Mama África, eles tinham as selvas para correr, tinham suas disputas internas, porém eram senhores do seu próprio destino. Hoje, em meu país, fico comovida com a luta que os descendentes de escravos mantém pela reparação do erro colonial, e ainda, vejo preconceitos que me causam náuseas e me buscam o ódio no fundo do coração.

Mas lá, Angola foi se refazendo. Teve momentos difíceis, porem deu uma pobreza grande de moradores reduzidos às suas cubatas em aglomerados humanos mais tristes que a Rocinha. E deram também gente nova, de boa cepa. Sobre Angola, não posso deixar de comemorar o mais jovem escritor, poeta e romancista, “Ondjaki”, 35 anos de idade, compositor de umas pérolas que atendem ao leitor adulto e infanto-juvenil. Entre suas belas obras, cito “Quantas madrugadas tem a noite”, “Avó Dezanove e o segredo do soviético”, “Bom dia Camaradas”, “E se amanhã o medo” e bué de outras. Como, você não sabe o que é bué? Pois no português de Angola, corresponde a grande porção. Bonito, não é? Cubata é uma casinha pobre, e todos esses livros trazem no final um dicionário para se poder acompanhar as diferenças do português ao longo do mundo.

Mas, o que chama atenção nos livros de Ondjaki, é o fato de ele retratar a estadia dos Soviéticos e dos Cubanos em Angola. Os primeiros envolveram-se em grandes obras e os segundos, eram professores que iam para a sala de aula a fim de dar à criançada um lastro cultural compatível com suas necessidades. Lindos livros. Bordados com carinho no papel, deixam-nos perder a hora do compromisso pelo encantamento e a jovialidade das obras. Uma coisa que me deixou encantada foi o fato de descobrir que o governo paulista mandou para os professores um kit de livros, e entre eles veio “Bom dia Camaradas”, que conta do relacionamento das crianças com a professora a quem tratam de Camarada Professora e tem um relacionamento de amizade e respeito. Quem dera fosse assim no Brasil. Termino esta parte citando o próprio Ondjaki: “ a ramela é um caramelo que o olho usa pra nunca amargar...”(continua)
Esta é uma homenagem às Mães Pretas que deram seu leite para criar os filhos dos senhores. É uma gratidão e uma vergonha que não temos como apagar.

sábado, 18 de agosto de 2012

O OUTRO LADO DO ESPELHO



Tenho lido ultimamente autores Africanos. De Achebe, da Nigéria a Coetzee da África do Sul, naturalmente não podia deixar de lado os autores de língua portuguesa, como os Angolanos Luandino Vieira, Pepetela, Agualusa, Ondjaki; os moçambiquenhos Mia Couto, Paulina Chiziane entre outros, e até o autor de Cabo Verde, Germano de Almeida. São muitos. Hoje, vou dedicar meu artigo ao Pepetela, que é uma das minhas grandes paixões.

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em Benguela em 1941, branco, filho de antigos colonizadores. Por seus pensamentos políticos, foi exilado na Argélia onde estudou Sociologia. Depois, na guerra de independência de Angola, voltou para sua terra onde se tornou guerrilheiro do MPLA. Este movimento de libertação fez de Angola um país independente, muito embora a paz não tenha se reinstaurado logo após a separação desta colônia de Portugal. Os sectarismos políticos continuaram a provocar disputas internas, de modo que Angola restou um país que até hoje carece de muitos recursos para o seu equilíbrio interno.

O primeiro livro de Pepetela que li foi “ Mayombe”. Lançado em 1980, essa obra romanceia um foco da guerrilha personalizando os tipos de pessoas diferentes que faziam parte daquele núcleo, sempre em luta contra os Tugas (portugueses) num meio geográfico hostil, com acampamentos nas selvas e pontos de apoio citadinos. A variada gama de guerrilheiros e ativistas políticos, levou-me à fatal comparação com as questões humanas enfrentadas no Brasil pelos grupos que se propuseram a lutar contra a ditadura militar. Fiquei em choque. Li o perfil de antigos companheiros naquela narrativa cheia de humanidade e dor. Mayombe me fez entender que o ser humano é na verdade uma soma de contingências e emoções que a razão nem sempre consegue controlar. Minhas feridas internas voltaram a doer, mas eu seguia a leitura, achava necessário tecer essa infausta comparação. Depois, peguei outros livros de Pepetela: A Parábola do Cágado Velho, Predadores, O Planalto e a Estepe, O Quase Fim do Mundo. Dois livros, ainda que escritos em épocas diferentes, chamaram-me a atenção pela excelência e pelo significado que guardam para quem quer entender um pouco mais da História do Brasil.

Um deles, recentemente lançado, levou o título “A Sul.O Sombreiro”, fala da conquista de Angola por Portugueses. Dominar a região, desde Luanda até Benguela, era uma tarefa dificílima, pois as febres matavam os aventureiros em grande número. Além disso, o terreno era difícil, e o território Angolano cortado pelo Rio Kwanza era repleto de grupos humanos chefiados por Sobas, com quem os portugueses poderiam se entender ou não. Esses grupos guerreavam entre si, aprisionavam gente dos grupos rivais que eram vendidos a traficantes de escravos e depois embarcados para trabalhar na lavoura do nordeste brasileiro. Pumbeiros eram os traficantes, especializados em buscar os prisioneiros e vendê-los para o embarque.

Este livro remeteu-me a outro que Pepetela escrevera uma década antes: “A Gloriosa Família. O Tempo dos Flamengos”, que retrata o mesmo processo na época da dominação holandesa no Brasil e, por extensão, em Angola. Enfim, toda a Europa se embriagando no mesmo gargalo desumano. (Continua)

SOU DONA DA MINHA ALMA

Mesmo sem ter a genialidade dela, tomo o melhor de Virginia Woolf para lembrar que a autonomia de pensamento é talvez a maior jóia que foi concedida à espécie humana. No tempo da grande escritora, o mundo passara pela revolução industrial, colocara as mulheres no mercado de trabalho, no entanto, em plena crise de 1929 e, uma década antes da Segunda Guerra Mundial, as mulheres que escreviam eram poucas. São muitas as mulheres que trabalham, mas poucas as que tem espaço na linha de produção intelectual, pois a sociedade continua oferecendo aos homens o melhor lugar na gestão intelectual, relegando às fêmeas o papel de tarefeiras, obedientes às normas e capacitadas a se desdobrar nos vários papeis que cumprem: o de matrizeiras de nova mão de obra para o futuro, de funcionárias dedicadas, de lavadeiras e cozinheiras competentes nas tarefas do lar.

Há muito tempo rompi com essa roda viva. Para ser dona da minha alma como dizia Virginia, fui aos poucos abrindo mão de uma série de papéis femininos e tive que ajudar a criar um novo homem, tão capaz quanto eu de praticar tarefas da vidinha do dia-a- dia. Não sem reprovas da família e de pessoas conhecidas, mas com a tranqüilidade que a vida intelectual necessita. E então, como tantas outras mulheres em busca de novos espaços, passei a fazer parte de uma camada feminina que até hoje é vista com olhos intimidadores por parte dos outros. Quer saber? Se sou dona da minha alma não devo nada a ninguém e vivo respondendo às demandas da vida com a minha visão de mundo, e não com a visão que tentam implantar em mim as variadas mídias. Respondo pelos meus critérios pessoais. Não há auto-ajuda, nem religião, nem sectarismo político a reger meus atos. Mas que os outros tentam, lá isso tentam mesmo, muito embora eu não lhes dê ouvidos.

Agora, estamos em plena campanha eleitoral (no tempo de Virginia ela era apenas sufragista, ou seja, lutava pelo voto feminino), busco vislumbrar uma saída para as crises que vivemos. No plano nacional, por outro lado, julga-se o processo do mensalão. Será alguém punido pelo que fez? No Brasil o povo já duvida de tudo e até mesmo se aliena. Mas as coisas este ano não tem visibilidade apenas por um processo ou uma época eleitoral. Aconteceu que, por caprichos do céu, a safra de milho e a da soja foi espetacular. Enquanto isso, em terras do Tio Sam, a seca fez o milho secar nos campos e a soja não vazou com tanta fluidez. Então, como comerão seus sucrilhos matinais os arrogantes vizinhos do norte? Será que terão capacidade de escrever seus poemas sobre o chão de terra estorricada? E o porquinho do bacon do breakfast, que comerá ele se as rações escasseiam? Ora, abram-se as caixas, peguem dinheiro e comprem os excedentes do Brasil.

Em nossa terra também existem crises. A nossa repousa sobre o tripé da Droga, da Corrupção e da Alienação Social. Então, agora é a hora de quebrar as pernas deste nefasto suporte do sofrimento da população. Estou conclamando você, meu leitor. Pense nas formas de trocar o nosso milho pela boa educação das crianças. É possível sim. Seja você também dono ou dona de sua alma. Quando quiserem cooptar seu voto, peça a definição política do seu candidato. E depois, mesmo sabendo que dias difíceis sempre virão, pelo menos durma em paz.

                                                  Virginia Woolf      1882-1941

HAVIA UMA PEDRA NO CAMINHO





Conheci de certa feita um senhor que padecia de uma doença degenerativa chamada Mal de Corino de Andrade. Este senhor tinha uma angustia permanente: casado, pai de dois filhos, a maior parte da família já fora ceifada pela tal doença; para ele, restava apenas esperar o fim, amargo como fora o de seu pai e de suas irmãs. Apesar da cadeira de rodas e das mãos em garra que mal sustentavam uma colher, ele punha a cabeça para trabalhar e inventava coisas que até Deus duvida. Os fatos aqui relatados aconteceram por volta de 1975, os arquivos atestam. O doente morava com a esposa e os filhos numa casa boa, de dois quartos amplos e demais dependências, como as demais casas da rua. Como havia um bom tempo que morava lá, tinha feito amizade forte com a vizinhança, e todos os fins de tarde lá ia ele para conversar. Enfim, ia levando a vida da melhor maneira que podia. Só não se conformava com uma coisa. Seu quintal na parte de trás da casa era menor que os outros, pois ali havia uma enorme pedra que os homens da construção resolveram não tirar dali, com medo de desestabilizar o terreno. E essa pedra, parecia estar instalada dentro do sapato do doente, tal a maneira que lhe incomodava. Várias vezes falou em retirá-la , mas sua vontade, passava por uma obsessão do infeliz que, como todos sabiam, jamais voltaria a andar livremente pelo bairro. Ou, numa ótica mais generosa, talvez ele quisesse mesmo era dilatar o espaço que sua cadeira de rodas podia alcançar. Muitas vezes a mulher lhe disse: que tanto lhe incomoda essa pedra? Sabe, no fundo eu até gosto dela, pois ela é bem lavadinha e eu ponho roupa para quarar na parte mais baixa. Quarar roupa, respondia ele, só mesmo duma mulher tonta podia vir essa idéia. Lá, eu mandava fazer um lindo gramado e ganhavas mais espaço.

O fato é que no meio do caminho havia uma pedra. Aborrecedora e desafiante.

Foi por essa época que em São Paulo inauguraram a técnica da implosão de edifícios, e ele viu pela televisão como veio abaixo um enorme edifício, sem comprometer os prédios ao lado. Então, sua mente desocupada passou à gestação de um plano ousado: implodir a pedra que tanto lhe aborrecia. Um dia, chamou em casa um baianinho que trabalhava nas pedreiras de Tremembé, e com lábia de doente carente, pediu ao rapaz que lhe arrumasse algumas bananas de dinamite. O baianinho, que se achava entendido no assunto, correu a lhe ajudar. Trouxe o dinamite, furou a pedra como fazia na pedreira, encaixou o explosivo e cobriu tudo. Os vizinhos foram todos chamados para ver a implosão, e, crédulos, vieram, se colocaram a prudente distancia. Então, num domingo cedo, os dois fizeram detonar as bombas. Foi uma poeira dos diabos, e quando a poeira assentou, descobriram horrorizados os vizinhos, que a pedra continuava no mesmo lugar, mas suas casas estavam literalmente destruídas. O baianinho fugiu. E a polícia não teve como punir o doente que já estava condenado à morte pela própria natureza. Tudo isso é tão verdade como eu me chamar Ivone.

terça-feira, 17 de julho de 2012

REVELAÇÕES DA EX-PRIMEIRA DAMA ROSEANA

AS REVELAÇÕES DA EX- PRIMEIRA DAMA




Domingo fiquei plantada frente ao programa de TV que anunciava uma bombástica entrevista com a primeira dama do governo brasileiro de duas décadas atrás. Demorou. Foi a última matéria da noite; a TV deu uma patinada ao ceder espaço para mulher ressentida que quer tão apenas e simplesmente aumentar o valor da pensão mensal que recebe do ex-tudo: marido, cúmplice, presidente.

Quanta asnice correu durante a tal entrevista. Ela contou que o marido, ex- Indiana Jones do Brasil, praticava magia negra nos subterrâneos da casa onde moravam. Suas intenções, pelo que a mocréia falou, eram de devolver aos desafetos as coisas ruins que lhe desejavam. Para isso sacrificavam animais. Bem, por este viéz, seria possível até processá-lo por maus tratos aos bichos, quem sabe alguma sociedade protetora o faça e peça o testemunho da ex- primeira dama, que foi ocular dos fatos. Ela estava lá, viu tudo, talvez tivesse até tido alguma participação nos ritos macabros, porém isso ela não revelou pois agora ela está com Jesus, virou evangélica, e converteu a feiticeira oficial também. Não deu conta no entanto se o ex-esposo deixou essas práticas de lado. E ele teve uma pequena revigorada após o impeachment, voltando sorridente ao nicho dos políticos da nossa terra.

A única coisa que valeu a pena na entrevista foi a confissão de deslumbre com o cargo de primeira fêmea da pátria: ela e o bruxoleante marido receberam a visita oficial do príncipe Tampax da monarquia inglesa e com ele sua etérea, linda, tímida e recatada Lady Di. Ver a princesa valeu a espera de tão porca entrevista, pois temos saudade de Diana, a mãezinha de William, hoje com 30 anos e bem casado com a sua Kate. No mais, dá para jogar a entrevista no lixo, até porque a tal rede de TV faz programas extraordinariamente bons e não pode contaminar as demais maçãs que guarda em seu cesto de reserva.

Muitas coisas que poderiam ser reveladas, nem de longe se cogitou. Eu gostaria de saber, por exemplo, se o ex-presidente era de fato cocainômano. Sei que seu pai foi senador e queimou em plena sessão do senado um desafeto a balas de revolver. Sei também que o próprio irmão delatou seu esquema de corrupção, e, na esteira das desgraças, sua mãe sofreu um derrame e ficou meses vegetando até que a morte se apiedasse dela. Mas a história da cocaína, consumida ali, bem dentro das salas do palácio da presidência, me deixou cabreira. Na época dos fatos, eu estava com pouco mais de 40 anos e orientava mestrados e doutorados no Rio de Janeiro. Também ia com certa constância a Brasília e tinha alunos parentes das casas governantes para os quais nada era segredo. Falava-se do ex-presidente como partícipe de um grupo de play boys, filhos de políticos, que em dado momento estupraram e mataram uma jovem... a culpa recaiu sobre o filho de um ministro que, pouco depois dos fatos, faleceu num desastre automobilístico. Ademais, o Indiana Jones tropical era bissexual e ... por que nada disso veio a tona nas revelações da pedinte de pensão maior?