quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DORES E ALEGRIAS DE UM NATAL


Quando eu era pequena, meu pai cortava um enorme pinheiro, colocava na sala de casa e minha mãe, meus irmãos e eu íamos arrumando bola por bola, enfim, deixando tudo bonito para quando Papai Noel viesse. Em 1951 estávamos ansiosos. Minha irmã queria um relógio, meu irmão um carrinho de corda e eu uma boneca de porcelana, dama antiga. E ainda, fora os presentes, a família esperava um primo meu, aviador e paraquedista, herói de muitas medalhas por conta de expedições de salvamento, que estava em Santa Catarina e vinha passar o Natal conosco. No dia 23 de dezembro, ele e todos os amigos deviam embarcar para São Paulo quando um professor dele disse que não tinha conseguido lugar para vir. Meu primo, muito solidário, imediatamente cedeu seu lugar ao mestre e pegou carona com um colega que ia trazer uma aeronave pequena para cá. Ora, como o amigo dele ia levantar vôo imediatamente, ele pegou suas coisas, foi para a pista e subiu no pequeno avião. Daí aconteceu: a pequena aeronave subiu 50 metros e explodiu, matando na explosão meu primo e seu colega de aviação.
Assim, nossos planos de Natal foram todos por água abaixo. Eu tinha 5 anos de idade, sonhava com a boneca e via as mulheres da família feito loucas, meu pai correndo de um lado para outro a colher ramos de melissa para acalmar minha tia, mãe do morto.
No dia seguinte, fomos para o Aeroporto de Congonhas onde deveria chegar o corpo carbonizado do primo. Demorou demais, tivemos fome, sede, vontade de ir ao banheiro, e nada do caixão chegar. Quando eu cansava e dormitava um pouquinho no colo da mãe ou de alguma tia, sonhava com minha boneca. Será que ela também não viria por luto na família? No fim da tarde o esquife finalmente chegou, mas estava lacrado e o enterro só poderia acontecer na manhã do Natal. Ai, que desgosto. As mulheres gritavam e choravam no velório, eu chorava junto mais pela boneca que pelo enterro, enfim, chegou a hora do enterro. Meu pai estava sobrecarregado a ponto de explodir os nervos. Não havia melissa que acalmasse a parentalha, o caixão estava proibido de ser aberto, e, quando chegou ao túmulo da família, horror! Os caixões feitos em Santa Catarina eram maiores que os Paulistas, e assim, o caixão não cabia no túmulo de jeito nenhum. Tinha que quebrar uma gaveta, mas havia um nascituro sepultado lá. A mãe do nascituro não queria consentir a exumação, até que meu pai, pressionado demais cometeu o ato inglório de gritar: PQP. Tudo por causa de um feto mal parido? Daí virou rebu. Mas, exumou-se o bebê, o caixão foi acertado, pois os pedreiros fizeram um puxadinho no túmulo. Voltamos para casa. Eu queria dormir, de preferência sumir, porém, debaixo da árvore estava a minha dama antiga, a mais linda boneca do mundo.


Complementos à postagem:

1 - Naquele ambiente havia apenas escândalos histéricos. Entre as mulheres que gritavam, estavam as meio-namoradas do meu primo, que era um galã. Mas, não havia a materialidade do corpo, uma vez que era impossível avrir a urna onde estavam os restos carbonizadíssimos. Então, dava a impressão que se estava vivendo um pesadêlo.

2 - Naquele mesmo ano, em Dijon, na França, a Igreja local promoveu com todo o clero e até os protestantes, o enforcamento e a cremação de Papai Noel. O público assistente era composto de todos os habitantes da região e da criançada em geral. A causa do suplício de Papai Noel era que ele havia sido considerado o usurpador da festa em que, de fato, deveria ser comemorado o nascimento de Cristo. E, como os festejos natalinos desta forma começaram por influência americana, o clero de Dijon achava mais que justo cortar o mal pela raiz.

Se quizer saber mais, leia "O Suplício de Papai Noel", de Claude Lévi-Strauss, notável interpretação antropológica do fato.

3- Meu pai era um homem muito bom e aguentava todas as pressões da família. Para ele explodir daquela maneira incrível, precisou de muita loucura ao mesmo tempo. E ele era o responsável pelo túmulo de família, função que, após a morte dele passou a ser de minha irmã mais velha.

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