segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Passaporte para a China

A Companhia das Letras acaba de publicar as crônicas de Lygia Fagundes Telles escritas para o jornal "Última Hora" em 1960, a propósito de uma viagem que a autora fez à China em 1960. São crônicas datadas, por isso mesmo, nenhuma alteração foi feita no texto das mesmas, e o conjunto resultou num livro muito bonito sobre a visita que uma comitiva de brasileiros e outros latino-americanos fizeram à China por ocasião dos festejos de aniversário da Revolução Chinesa, que estava já em seu décimo primeiro ano. Não entendi bem o porque desta comemoração de onze anos -esse tempo guardará para eles algum significado diferente que o nosso, pois comemoramos os aniversários ano a ano, ou a cada cinco, ou dez, ou cinquenta ou cem- dentro da nossa lógica Ocidental, em todo caso, Mao Tse Tung preparou estes festejos e convidou todas as nações que não lhe viraram as costas para participal. Então, o Brasil enviou uma comitiva de intelectuais entre os quais estava Lygia.
Mas, a ida para a China foi uma epopéia sem limites. Primeiro o avião levou-os até Dakar. Depois Paris. Logo saíram da cidade-luz para Praga, e então daí foram dar com os costados em Moscou. Na capital da falecida URSS, lygia ficou confinada em um hotel moscovita pois seu passaporte previa a Tchecoslováquia, mas não Moscou, de forma que só no fim da curta estadia ela passou de carro pelo Kremlin e outros edifícios históricos que ela gostaria de ter visto. No entanto, foi lá mesmo, no hotel, que começou um contato com proletários russos e doces mulheres cujos cabelos se prendiam em longas tranças que depois rodeavam-lhes a cabeça como uma guirlanda. Ao deixar Moscou, Lygia e a comitiva tiveram ainda duas baldeações em aeroportos da Sibéria, para só então voarem livremente para Pequim.
Ninguém deve pensar que lygia faz uma descrição deslumbrada do que chamavam Nova China. Ela estranhou a incrível uniformidade das vestes, dos cortes de cabelo, da ausência de casais enamorados caminhando pelas ruas e ainda, a absoluta falta de qualquer gato ou cachorro naquele cenário.Questionou o guia, um chinês discreto que falava francês com certa dificuldade. Para os namorados que não apareciam, ele limitou-se a dizer: Na nova China temos muito o que fazer, não há tempo para isso. E, quanto aos cães e gatos, o guia foi mais livre e contundente: Madame Telese, numa terra com tanta gente para comer, como poderíamos sustentar animais de estimação?
Lygia esteve nas festividades e foi à Casa do Escritor de lá. Recebeu de presente uma edição das poesias de Mao. Fora isso, ficou esperando um periodo livre para comprar lembrancinhas, pois terminados os festejos, retornaram ao Brasil pelos mesmos lugares que haviam seguido na ida.
O livro tem sua magistralidade. A narrativa de Lygia é aguçada e delicada ao mesmo tempo. Ela não coloca em causa o regime de Mao nem incensa sua magnitude. Ela deixa claro o que um amigo meu que foi à China me disse: Com toda aquela superpopulação, era impossível gerenciar o formigueiro humano de outra forma.
A Companhia das Letras fez um belo trabalho não apenas na edição deste livro de Lygia. Ela editou em formato de coleção as demais obras da autora que é um dos melhores nomes da nossa literatura. Para os que viveram a minha época dos idos de 68, recomendo também a leitura de "As Meninas", primoroso e sensível romance que retrata essa época sombria do Brasil.

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