sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Enterrem meu coração na curva do rio - ou, reminiscências da dor

ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO

Em fevereiro de 1973, logo depois que foi enterrado meu primeiro filho e cessaram as perseguições políticas contra mim, li o livro de Dee Brown cujo nome dá título à minha coluna de hoje, e chorei a cada página o genocídio que os colonizadores norte americanos praticaram contra os índios para lhes tomar as terras. Este livro me ajudou a superar o luto; mais que isso, fiz uma catarse vomitando as dores do mundo, chorando a um só tempo o meu filho, os índios da América, a escravidão negra, as vítimas das guerras, as mães da Praça de Maio, os caídos de toda a violência social da ditadura sob a qual vivíamos.
E agora, justamente ao completar 63 anos de idade, fiquei vidrada frente à TV, vendo a posse do primeiro presidente negro dos EUA. Dia longo de comemorações, a primeira dama, uma negra charmosa, vestia amarelo e caminhou a pé, de mãos dadas com seu marido, acenando alegremente ao povo que se comprimia nas laterais da avenida. Havia festas na África e em várias partes do mundo, mas a TV foi discreta em apresentar as festas juvenis do OUT BUSH, que deviam estar, aliás, muito mais animadas.
Os negros dos EUA foram tão segregados, que após a lei contra o preconceito, de 1968, eles se apresentaram ao mundo como uma etnia orgulhosa e altiva. Tiveram ascensão social através das escolas e igrejas, impuseram-se enfim, ao contrário de seus irmãos brasileiros cuja luta passa por derrotar o falso mito da democracia racial.
Agora vem a hora da ação. Será que a chegada de um negro ao poder conseguirá estancar os genocídios que se perpetuam pelo mundo afora em nome da ganância dos grandes capitalistas que não hesitam em matar para possuir? Será que, frente a uma crise econômica violenta, frente ao desemprego , os EUA poderão auxiliar na criação de uma nova ética para a convivência entre os povos e para a diminuição da miséria mundial que eles próprios ajudaram a crescer? O mundo de hoje, apesar dos avanços técnicos, está muito pior e mais violento que o de 1973. Se um negro nos EUA for desprovido de sensibilidade, ele que vem de uma história de dor e discriminação, então eu peço humildemente: enterrem meu coração na curva do rio.

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