quarta-feira, 6 de agosto de 2008

PAI

PAI

Nada mais justo do que dedicar estas linhas a você. Sinto tanta saudade da sua terna presença e, no entanto, ainda me surpreendo a querer lhe contar qualquer coisa que me aconteceu de especial. Só que o telefone não funciona mais. Você não se encontra sentado ao lado do aparelho, lendo seu jornal ou o último livro do pedaço; tudo ficou para trás na espiral do tempo, como soe acontecer em todas as famílias. Bem dizia um amigo, “a orfandade é uma merda”.
Sou uma órfã velhinha, quando você partiu eu já tinha 57 anos, nem por isso a tristeza foi menor. Talvez o tempo tenha me dado a real dimensão do que um pai é capaz. E, creia, meu velho, um pai pode tudo porque tem um manancial inesgotável de sentimentos bons. Tirando os degenerados mentais de quem a justiça tem dado conta, os pais são uma instituição que não caiu fora de moda. As mulheres que gostam de produção independente, que me perdoem, elas não tiveram um pai como o meu. Que outra pessoa poderia ter tanto carinho ao levar meus dedos pelas letras de uma página e ensinar o significado das sílabas? Quem mais me faria amar o chão, a chuva, os pássaros e as plantas como essenciais para o gáudio da nossa vida? Que outra pessoa me contaria aventuras de caça e pesca com tanto realismo que eu me sentia dentro delas? Qual homem sobre o planeta me daria broncas apenas com o olhar e encerraria as mesmas dizendo somente: “nunca mais faça isso”?
Meu pai não julgava as pessoas de maneira leviana. Ajudava os necessitados sem que os outros percebessem. Não era rico, mas fazia de sua essencialidade uma profunda riqueza. Tinha uma casa e era grato por isso. Não faltava comida, então sempre cabia mais um em sua mesa. Até o último dia foi verdadeiro comigo, mesmo para dizer que estava morrendo. Tive que concordar, pois era só a verdade que lhe interessava. Teve os olhos brilhando para mim enquanto viveu, e me serviu de facho luminoso nos momentos mais sombrios da minha vida. E, foi por ele que aprendi a amar os outros homens, inclusive àquele a quem emprestei meu ventre para se tornar pai dos meus filhos. Abençoados sejam os homens da minha vida.
Sua filha,
Ivone

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