quarta-feira, 25 de junho de 2008

GREGÓRIO DE MATOS DEVIA ESTAR VIVO

GREGÓRIO DE MATOS DEVIA ESTAR VIVO

Para quem gosta, a leitura é o pão da alma. Vive-se dela, cria-se um caso amoroso com as palavras, os sonhos, as histórias. Se a leitura for mais consistente, bebe-se dela o caldo saboroso das comparações. Caiu-me nas mãos esta semana o genial livro de Ana Miranda intitulado “Boca do Inferno”, romance histórico sobre a participação do Padre Vieira e de Gregório de Matos nas confusões políticas da Bahia do século XVII. “Boca do Inferno”, para quem não sabe, era o apelido que se dava ao poeta Gregório pelos poemas satíricos e agressivos que ele fazia cair no agrado do povo e o povo repetia como hoje repete o Créu e outras baixarias mais. Porém, naquele longínquo século XVII, a língua maldita de Gregório tornava-o um perigo para os governadores, alcaides, bispos e outros poderosos da época. Sua malignidade era tão devastadora que ele acabou sendo deportado para África, donde voltou para falecer aos 59 anos, em Pernambuco. Enquanto o Padre Vieira levava uma vida conventual e dedicada à escrita de cartas e Sermões, Gregório vivia entre as putas e os renegados; perdeu seu cargo eclesiástico porque não renunciou às orgias e à dissipação dos seus bens. Foi perseguido, preso, apanhou de asseclas dos governantes, refugiou-se nos prostíbulos, entre judeus e todos que a coroa portuguesa queria penalizar. Contudo, suas flechas eram certeiras e pontiagudas demais. Num poema dedicado ao governador ele se dirige assim: A vós, merda de fidalgos/ A vós, escoria dos Godos/Filho do Espírito Santo/E bisneto de um caboclo/ A vós fanchono beato... e por aí vai. Tudo bem, se ficasse no papel, mas canções deste tipo, iam rapidamente para a boca do povo que se comprazia em cantá-las pelas ruas da Bahia. Corrupção, usura, abusos de poder, assassinatos, intimidades de concubinato e sodomia, tudo era parte do repertório do poeta e, consequentemente, do cancioneiro popular.
Hoje, é possível dizer que o devasso Gregório foi subversivo, mas dá uma certa inveja de não ver o gênero bem usado pela turma do Creu e congêneres. Não haveria campanha política que resistisse ao “Boca do Inferno”.

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