quinta-feira, 13 de março de 2008

A elegância do ouriço

A Elegância do Ouriço

Com este livro, MURIEL BARBERY fez muito sucesso na França. No Brasil a Companhia das letras prontamente traduziu a obra que trata de uma sátira à alta burguesia francesa através das observações da concierge (zeladora) de um prédio parisiense, reduto de altas figuras da sociedade local. Os grã finos vistos pelos empregados ou subalternos, eis um filão que tem dado graça às obras literárias dos últimos tempos, veja-se o caso de A casa de Virginia W., obra tratada neste mesmo Blog.
Considerando-se que A casa de Virginia W. foi composta a partir de documentos encontrados pela autora, MURIEL tem a seu favor construir uma ficção a partir de sua boa cultura filosófica. Ser ficção torna a obra leve, dá oportunidade de encadear formas de pensamento de figuras diversas e torna possível escrachar a narrativa com o provável coito de cachorros no elevador.
Mas a obra é inteligente mesmo. Todos os ganchos são culturalmente corretos. E só uma boa professora de filosofia poderia por em ridículo um diagnóstico de cistite idiopática hemorrágica em uma gata, seguramente traumatizada por ter seu dono dito que ela está gorda...
Ivone Marques Dias

Gracias por el fuego

Gracias por el fuego

MARIO BENEDETTI, escritor nascido no Uruguai em 1920, merecia mais divulgação na midia brasileira, inclusive um tratamento editorial mais persuasivo. Trata-se na verdade de um tremendo romancista que lida com o intimismo e que, da década de 1960 para cá só fez edulcorar um tanto suas construções literárias. Tomando como base GRACIAS POR EL FUEGO e, depois, como construção delicada, seu magnífico A TRÉGUA, podemos sem susto sair dos clássicos Gabriel Garcia Marques, Vargas Lhosa, Izabel Allende, Borges, Neruda, Carpentier, Paz e outros, para reconhecer um Uruguai onde o drama existencial de um personagem se torna o ponto de partida para o reconhecimento desta Suiça sul americana onde toda a corrupção se tornava possível e, descaradamente aniquilava qualquer questionamento. Estamos falando da década de 60, do poder da imprensa e do pré advento das ditaduras que assolaram a América do Sul.
GRACIAS POR EL FUEGO tem uma edição de 2006, traduzida para o português por Eric Nepomuceno e Maria do Carmo Brito (L&PM Pocket), que torna acessível aos brasileiros esta obra duramente censurada no Uruguai, na Argentina e na Espanha. Trata de um pai de família, dono de Agência de viagens, negócio que lhe garante bom status econômico, mas de maneira alguma, a felicidade. Filho de político e empresário da imprensa, seu próprio ganha-pão tem origem no dinheiro "sujo" que seu pai lhe emprestou. O nexo lógico da obra repousa num drama ético, adicionado a outros dramas existenciais que lhe roem as bases. Para resolver o drama, só lhe restam duas alternativas :- ou mata o pai ou consome-se na dor da impotência frente aos fatos da vida.
A narrativa de Benedetti é ágil, e os argumentos de meio século se colocam hoje com uma atualidade impressionante
Em A TRÉGUA, Benedetti coloca de lado a questão ético-política. Vê apenas o homem em vésperas de tornar-se improdutivo pela aposentadoria. (Ed. Objetiva, tradução de Joana Angélica D'Avila Melo)
Ambos os livros merecem um passeio do leitor brasileiro. Sem Benedetti, a literatura latino-americana seria mais pobre.